sábado, 16 de março de 2013

A má-fé do funcionário público.


A má-fé como elemento subjetivo imprescindível à caracterização do ato de improbidade administrativa previsto nos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92
Examina-se a necessidade de demonstração da má-fé do administrador público como elemento essencial à caracterização do ato de improbidade administrativa previsto nos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92.
Resumo: Examina-se a necessidade de demonstração da má-fé do administrador público como elemento essencial à caracterização do ato de improbidade administrativa previsto nos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92.
Palavras-chave: Ação civil pública; improbidade administrativa; elemento subjetivo; dolo; má-fé.

A doutrina e jurisprudência pátrias há muito vêm buscando adequar as disposições da Lei n° 8.429/92 à Carta Constitucional, principalmente pela grave falha do seu art. 5° de considerar ímprobas as condutas culposas dos agentes públicos.
Marcelo Figueiredo[1] se debruça sobre a questão de forma bem aprofundada:
“De fato, ao deitarmos alguma reflexão sobre o dispositivo comentado, algumas apreensões nos vêm à mente. A primeira relativa à elasticidade do conceito legal de ato de improbidade administrativa. É certo que a Constituição (art. 37, §4°) determina que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública,a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstos em lei. Contudo, a lei integradora da vontade constitucional foi além do razoável ao dispor que ‘constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa...’. Ao que parece, o legislador infraconstitucional levou longe demais o permissivo da Lei Maior, ausente proporcionalidade e razoabilidade no dispositivo legal. Assim, se não inconstitucional, o dispositivo deve ser interpretado conforme a Constituição.
(...) Enfim, é preciso abrandar o rigor legal, ou, por outra, amoldá-lo ao espírito constitucional. A preocupação não é meramente acadêmica ou fruto de devaneio intelectual. Ao contrário, o agente que violar o art. 10 sofrerá as conseqüências do art. 12. I, severas como vimos de ver. Tal linha de raciocínio, segundo cremos, deve presidir a interpretação de toda a lei, que falha, ora por erros de redação, má técnica, ora pelo conteúdo.” (grifos nossos)
Como se vê, a lei infraconstitucional acabou por abraçar, erroneamente, a teoria da responsabilidade objetiva do agente público, equiparando as condutas dolosas, devassas, imorais, às condutas praticadas com boa-fé, sem qualquer intenção de causar prejuízo ao erário. Bem diferente ensina José Afonso da Silva[2] ao afirmar que “ímprobo administrador é o devasso da Administração Pública”. Apoiando-se em tal afirmação, Aristides Junqueira Alvarenga[3] extrai firme lição:
“É também de José Afonso da Silva a afirmação de que todo ato lesivo ao patrimônio agride a moralidade administrativa, mas nem sempre a lesão ao patrimônio público pode ser caracterizada como ato de improbidade administrativa, por não estar a conduta do agente, causador da lesão, marcada pela desonestidade. Assim, a conduta de um agente pode ir contra o princípio da moralidade, no seu estrito sentido jurídico-administrativo, sem contudo, ter a pecha de improbidade, dada a ausência de comportamento desonesto – atributo esse que distingue a espécie (improbidade) do gênero (imoralidade).
Se é assim, torna-se difícil, se não impossível, excluir o dolo do conjunto de desonestidade e, consequentemente, do conceito de improbidade, tornando-se inimaginável que alguém possa ser desonesto por mera culpa, em sentido estrito, já que ao senso de desonestidade estão jungidas as idéias de má-fé, de deslealdade, a detonar presente o dolo.” (grifo nosso)
Mauro Roberto Gomes de Matos[4], também em referência à afirmação do festejado mestre acima citado, conclui:
“A devassidão a que se refere José Afonso da Silva, caracterizadora da improbidade administrativa, por certo, deverá vir contida na índole da conduta do agente público, ou na vontade de lesar o erário, pois do contrário falta tipicidade para enquadrar o ato culposo em ímprobo. Nem toda lesão ao patrimônio público pode ser considerada reveladora de um ato de improbidade administrativa, pelo fato de a conduta do agente público ser o elemento caracterizador do ilícito.” (grifo nosso)
Perceba-se que a demonstração da má-fé como elemento subjetivo caracterizador do ato de improbidade administrativa está adstrita às tipificações do art. 11 da Lei nº 8.429/92, que cuida dos atos que atentam contra os princípios da Administração Pública, e do art. 10 do mesmo diploma legal, para se aferir a responsabilidade (ou não) do agente na eventual hipótese de comprovação de dano ao erário. No que pertine à previsão do art. 9º, é evidente que o enriquecimento ilícito (elemento objetivo) é suficiente à comprovação do ato de improbidade.
Neste diapasão, deve ser destacado que a gestão pública envolve situações de fato que em muitas oportunidades não encontram previsão específica nos inúmeros diplomas legais e regulamentos que regem a atuação do agente público na aplicação de recursos do erário, mas que exigem uma atuação imediata do administrador, sob pena da eventual omissão ou atraso causar um prejuízo irreparável à população, como, por exemplo, a suspensão dos serviços de saúde ou de segurança pública.
Situações como essas já foram analisadas pelo STJ como não-tipificadoras de ato de improbidade administrativa, verbis:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE VIGILANTE SEM CONCURSO PÚBLICO COM FUNDAMENTO EM LEI LOCAL. NÃO  DEMONSTRAÇÃO DE  MÁ-FÉ.
1. Cuida-se na origem de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa consubstanciado na contratação de servidor público por meio de contrato administrativo temporário constantemente renovado.
2. O reconhecimento da tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa requer a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado no dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do art. 10, todos da Lei n. 8429/92.
3. A contratação ou manutenção de servidores públicos sem a realização de concurso público viola os princípios que regem a Administração Pública.
4. Todavia, o caso dos autos mostra-se como uma exceção à regra, uma vez que a jurisprudência desta Corte já decidiu, em situação semelhante à dos autos, qual seja, de nomeação de servidores por período temporário com arrimo em legislação local, não se traduz, por si só, em ato de improbidade administrativa.
5. A prorrogação da contratação temporária, com fundamento em lei municipal que estava em vigor quando da contratação - gozando tal lei de presunção de constitucionalidade - descaracteriza o elemento subjetivo doloso. Precedentes: REsp 1.231.150/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13.3.2012, DJe 12.4.2012.; AgRg no Ag 1.324.212/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 28.9.2010, DJe 13.10.2010.Agravo regimental improvido.
(AgRg no AgRg no AREsp 166.766/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 03/09/2012)
No caso concreto trazido à baila no julgado acima transcrito, afigura-se impensável qualificar o ato de contratação como eivado de má-fé, como retrato de conduta desonesta, praticada com a intenção de lesar o erário.
Por fim, deve ser registrado que a eventual aprovação da despesa perante o Tribunal de Contas, apesar de não afastar a incidência da lei de improbidade, nos termos do seu art. 21, II, afigura-se como mais um elemento evidenciador da ausência de má-fé na aplicação de recursos públicos.
No STJ, o entendimento pela necessidade de comprovação de má-fé encontra-se pacificado, como se observa dos julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO, ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU DANO AO ERÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Embargos de declaração admitidos como agravo regimental, em razão de seu manifesto caráter infringente. Aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
2.  Inexistindo comprovação de que os agravados tenham agido com dolo ou má-fé, enriquecido de forma ilícita ou de que o ato impugnado tenha causado prejuízo ao erário, não há falar em improbidade administrativa, devendo o acórdão recorrido ser mantido por seus próprios fundamentos.
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.
(EDcl no REsp 1260814/RN, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 25/10/2012)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DE DOLO E MÁ-FÉ.
1. É assente nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado no dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do art. 10.
2. No caso dos autos, as premissas fáticas assentadas pela origem dão conta de que o ex-prefeito demitiu irregularmente servidores públicos, sob o entendimento de "estar atendendo às disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, ao reduzir as despesas com pessoal desnecessário". Não havendo comprovação do dolo de prejudicar os lesados, ou favorecer terceiros, dano ao erário, e que, tampouco, "o agente público agiu visando outro fim que não o bem público".
3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo; e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública, coadjuvados pela má-intenção do administrador.  Precedente: REsp 1.149.427/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 17.8.2010, DJe 9.9.2010.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 81.766/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012)
Por todo o exposto, resta demonstrado que a caracterização do ato de improbidade administrativa tipificado nos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 é condicionada à comprovação da má-fé do agente público, ao passo em que a hipótese do art. 9º do mesmo diploma legal dispensa o elemento subjetivo.

Notas
[1] Probidade Administrativa – Comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar. São Paulo: Malheiros, 4ª ed.
[2] Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 32ª ed..
[3] Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e Atuais. São Paulo: Malheiros.
[4] O limite da Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: América Jurídica.

Data de acesso:14/03/2013

Lei que define atividades essenciais no Brasil.


Atividades essênciais-Lei
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.
        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
        Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
        Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.
        Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
        Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.
        Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação.
        Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.
        § 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.
        § 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no "caput", constituindo comissão de negociação.
        Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho.
        Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:
        I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;
        II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.
        § 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.
        § 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.
        § 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.
        Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.
        Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.
        Art. 8º A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.
        Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.
        Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.
        Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
        I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
        II - assistência médica e hospitalar;
        III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
        IV - funerários;
        V - transporte coletivo;
        VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
        VII - telecomunicações;
        VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
        IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
        X - controle de tráfego aéreo;
        XI compensação bancária.
        Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
        Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
        Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis.
        Art. 13 Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.
        Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
        Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:
        I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
        II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.
        Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.
        Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.
        Art. 16. Para os fins previstos no art. 37, inciso VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido.
        Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).
        Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação.
        Art. 18. Ficam revogados a Lei nº 4.330, de 1º de junho de 1964, o Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, e demais disposições em contrário.
        Art. 19 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
        Brasília, 28 de junho de 1989; 168º da Independência e 101º da República.
JOSÉ SARNEY
Oscar Dias Corrêa
Dorothea Werneck
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 29.6.1989
Data de acesso:14/03/2013


Convocação de servidores para horas suplementares.


Convocação de servidores públicos da Prefeitura da Cidade de São Paulo,para cumprimento de horas suplementares de acordo com a lei 10.073-09/junho/1986-PMSP

Dispõe sobre a convocação para horas suplementares de trabalho e outras providências.

Diário Oficial do Município de São Paulo-data: 10/junho/1986-página:01
Data de acesso: 14/03/2013

Atribuições das Prefeitura,Estados e União.


Entenda o governo do Brasil

a.    A União, os estados e os municípios
Além da separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário), o governo brasileiro também é dividido em três esferas de atuação:
a) Federal: também chamado de União, é o governo com sede em Brasília (Presidente da República, ministros, Deputados Federais e Senadores);
b) Estadual (Governador, Secretários do estado e Deputados estaduais); e
c) Municipal: é o governo de cada cidade (Prefeito, Secretários municipais e Vereadores).

b.    Veja como fica a distribuição dos poderes no município:
  •  Poder judiciário: Em termos gerais, não existe poder judiciário na esfera municipal. O judiciário que conhecemos normalmente e no qual corre a maior parte dos casos (processos) é estadual ou federal. É claro que existe poder judiciário em cada cidade, mas a administração não cabe ao município. Porém, existe um órgão que pode ser considerado judiciário no município – o Tribunal de Contas. O trabalho do Tribunal de Contas é fiscalizar a aplicação dos recursos da administração pública.
  •  Poder legislativo: É composto pelos vereadores que têm como função modificar ou manter leis antigas e/ou propor novas leis. Os vereadores também têm o dever de fiscalizar o trabalho da prefeitura. As leis também podem ser propostas pelo poder executivo e até pelos cidadãos, mas será preciso que os vereadores aprovem a lei (veja mais em “como são feitas as leis”). Cada vereador tem o seu gabinete, um escritório onde ele e seus assessores estudam os problemas da cidade e recebem cidadãos e autoridades para ouvir suas opiniões. Na hora de debater e votar as leis, os vereadores se reúnem na Câmara Municipal.
  •  Poder executivo: É formado pelo prefeito (eleito), por seus secretários (escolhidos pelo prefeito) e por funcionários públicos (parte desses são funcionários concursados e fixos e outra parte é indicada pelo prefeito). A administração municipal é aquela que, de fato, “põe a mão na massa” e presta os serviços para os cidadãos. No entanto, é importante lembrar que devem cumprir leis que definem como deve ser feito o trabalho e como deve ser gasto o dinheiro. Para administrar melhor a cidade, o prefeito e seus secretários podem propor novas leis que são analisadas pelos vereadores que podem aprová-las ou não.

 Quais são os assuntos em que a política municipal (prefeitos, secretários municipais e vereadores) pode intervir?

Um município pode fazer suas próprias leis, desde que estas não entrem em conflito com as leis estaduais ou federais. Por outro lado, alguns assuntos só podem ser decididos por uma de determinada esfera de governo. Os limites de ação governamental dos municípios estão definidos na Constituição Brasileira.

a.    Pode e deve
  •  Educação: O governo municipal tem obrigação de oferecer creches, escolas de educação infantil e de educação fundamental para a população. Só depois que o número de vagas nessas escolas atendam a necessidade local é que o município pode abrir escolas de ensino médio e até universidades.
  •  Transporte público urbano: Também é um dever do município. Já o transporte entre cidades, inclusive em regiões metropolitanas, é responsabilidade do governo estadual.
  •  Urbanização: O poder municipal deve planejar o uso dos espaços na cidade definindo, por exemplo, se uma região deve ser residencial ou comercial. A prefeitura também tem que realizar a pavimentação e manutenção das ruas, cuidar da iluminação pública, garantir a coleta de lixo.
b.    São matérias de dependência relativa do município:
  •  Saúde: Desde a Constituição de 1988, o Brasil adotou o princípio da municipalização. A municipalização reconhece o município como principal responsável pela saúde de sua população. Municipalizar é transferir para as cidades a responsabilidade e os recursos necessários para exercerem plenamente as funções de planejamento, coordenação, execução, controle e avaliação da saúde local. Esse é um processo que atualmente está em curso com a implantação do Sistema Único de Saúde. Por outro lado, embora os municípios tenham a função de executar, a legislação do SUS é feita em nível federal.
  •  Impostos: Os impostos são usados para fazer funcionar os serviços públicos e o governo. Assim, todas as esferas de governo têm seus impostos. O Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e o Impostos Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) são impostos municipais que já estão previstos na constituição federal e não podem ser extintos pelo poder local. Porém, é da administração municipal o poder de definir o valor desses impostos, de criar regras para isenções, descontos e para a cobrança. O poder municipal também pode criar outros impostos e taxas que digam respeito a necessidades locais.

c.    São matérias sobre a qual o poder municipal não tem quase nenhum ou nenhum poder de atuar:
  • Segurança: É muito comum que um candidato a prefeito ou a vereador faça promessas de melhorar a segurança na cidade o que não pode ser feito por ele, a não ser que isso seja feito de forma indireta, por exemplo, melhorando a iluminação pública. A cidade não tem uma polícia, o que ela pode é ter uma guarda municipal, mas a função desta NÃO é a proteção dos cidadãos. Segundo a Constituição Federal, a atuação da Guarda Municipal é proteger os bens públicos do município.Os prefeitos e vereadores também não podem modificar as leis criminais, como aquelas que envolvem roubo, morte e tráfico de drogas, isso é feito exclusivamente na esfera federal (afinal, essas leis valem para o país inteiro).
  •  Sistema prisional: Esta área é administrada pelo governo estadual, seguindo leis regionais em concordância com a legislação federal.
  •  Previdência social: Todos os benefícios da previdência social são da ordem da união. Assim, salário maternidade, seguro desemprego, aposentadoria etc., são regidos por leis federais e são administradas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. As agências da Previdência Social estão nos municípios, mas isso não quer dizer que sejam administradas por ele. O que os municípios podem fazer é criar fundos de pensão para os servidores públicos daquela cidade.
  •  Reforma agrária: Está matéria cabe apenas ao governo federal.
  •  Eleições: Matéria que cabe apenas ao governo federal.

Entenda as principais normas e leis através do qual a cidade é administrada.

a.    Lei orgânica do município. Assim como o país e os estados, a cidade também tem sua própria “constituição”, que é a lei orgânica do município. É uma lei mais geral, não tem muitos detalhes e é mais difícil de modificar.
b.    Lei complementar: A palavra “complementar” refere-se à lei orgânica. Uma lei complementar explica melhor, dá mais detalhes e complementa um ou mais artigos da lei orgânica. Ela não modifica a lei orgânica.
c.    Emenda: A emenda visa a modificar a lei orgânica.
d.    Lei ordinária: É o ato normativo comum, ou apenas “Lei”, que não interfere na Constituição mas não pode estar contrária a ela. Para ser aprovada precisa de maioria simples (50% + 1 dos presentes) de votos favoráveis.
e.    Lei orçamentária: é um projeto que o poder executivo envia à Câmara sobre como devem ser gastos os recursos do município. Os vereadores analisam o documento, geralmente propõem modificações e, depois de aprovada, a lei vale para todo o ano seguinte.
f.    Decreto: São atos administrativos da competência exclusiva do Prefeito, destinados a resolver situações gerais ou individuais, que estão mais ou menos previstas na lei. O decreto não pode entrar em conflito com leis (a não ser que substituam um outro decreto).
g.    Portaria: é o instrumento pelo qual os secretários municipais ou outras autoridades expedem instruções sobre a organização prática e funcionamento de serviços públicos.
O que é uma Comissão Parlamentar?

Você certamente já ouviu falar de Comissão Parlamentar de Inquérito, ou CPI, que tem função investigativa. Mas a CPI é só um tipo de Comissão Parlamentar, que nada mais é do que um grupo de legisladores (no caso do município, os vereadores), que se reúnem para estudar a fundo um tema específico. Há comissões permanentes, como a que ajuda a planejar o orçamento anual do município, e comissões temporárias, como por exemplo, as CPIs. As comissões parlamentares devem ser compostas sempre por vereadores de vários partidos para que haja equilíbrio nos procedimentos. Algumas comissões apenas estudam um assunto e o apresentam para que todos os vereadores votem a matéria. Outras têm o poder de votar um assunto, sem precisar levar para todos os outros vereadores. Como são muitos, variados e complexos os assuntos da administração pública, dividir algumas tarefas entre os vereadores ajuda todo o processo legislativo.
Quantos vereadores tem uma cidade?

Os números mínimo e máximo de vereadores em uma cidade são definidos pela constituição federal. A quantidade exata é definida pela lei orgânica do município, respeitando o que diz a constituição.

Número de habitantes
Número mínimo permitido pela Constituição
Número máximo permitido pela Constituição
Até 1 milhão
09 vereadores
21 vereadores
Mais de 1 milhão até 5 milhões
33 vereadores
41 vereadores
Mais de 5 milhões
42 vereadores
55 vereadores

Na lei orgânica da cidade de São Paulo está determinado o número de 55 vereadores.
15/03/2013

Interpretações equivocadas das lei.


Interpretação e racionalidade jurídica: teorias convincentes, mas equivocadas

Atahualpa fernandez e marly fernandez
ATAHUALPA FERNANDEZ Membro do Ministério Público da União /MPT; Pós-doutor em Teoría Social, Ética y Economia pela Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política pela Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas pela Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara; Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha; Especialista em Direito Público pela UFPa.; Pós-doutorado em Neurociencia Cognitiva - Universitat de les Illes Balears/Eapanha; Professor Colaborador Honorífico (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB.
MANUELLA MARIA FERNANDEZ Doutora em Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes Balears-UIB ; Doutoranda em Direito Público/ Universitat de les Illes Balears-UIB; Mestre em Evolución y Cognición Humana/ Universitat de les Illes Balears-UIB; Research Scholar, Fachbereich Rechtswissenschaft /Institut für Kriminalwissenschaften und Rechtsphilosophie, Johann Wolfgang Goethe-Universität, Frankfurt am Main/ Deutschland; Pós-doutorado (Filosofía y Filogénesis de la Moral) / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos /UIB.
Inserido em 05/08/2012
Parte integrante da Edição no 1002
Código da publicação: 2597



“O verdadeiro problema das teorias hermenêuticas e da argumentação jurídica é que levam o intérprete a pensar que sabe algo que em realidade desconhece. E como há maneiras alternativas de interpretar o que encontram na norma, os intérpretes parecem ser bastante adictos a encontrar as justificações e argumentos que lhes convêm para afilar, limar e alterar seletivamente a mensagem normativa: não tanto pelo uso indiscriminado e vicioso da denominada “Katchanga real!”, mas principalmente por meio de uma diarréia argumentativa incessante”. A.F.







A interpretação representa um verdadeiro banco de provas para o jurista. Não é por acaso que constitua, falando com propriedade, matéria de ensino: sob o domínio ordenador da razão, é tratada como o campo dos conceitos claros e distintos, de regras e critérios, mediante os quais um acervo de métodos com nomes elusivos e incertos encontra sua aplicação rigorosa. É o lugar das técnicas e das formas de argumentação articuladas e reconstruídas sobre a mesa dos consumados operadores práticos do direito, em benefício de quantos preferem ver a tarefa interpretativa como uma atividade puramente racional, um aparato metodológico constituído por um conjunto de noções e de instrumentos forjados para levar a cabo processos de decisões e conseguir resultados de maneira ordenada, controlada, ponderada, razoável, objetiva, imparcial, consciente e, na medida do “possível”, neutra.

Tomar decisões, por outro lado, é o resultado do ato de interpretar e usar a norma para orientar a conduta humana entre múltiplos cursos de ação possíveis. Tais eleições determinam o modo em que o intérprete autorizado atua no mundo e seu grau de êxito em fazer frente aos conflitos da vida social. E embora a norma não estabeleça a forma das eleições individuais uma por uma, dispõe ou pode criar mecanismos de processo de informação que se reproduzirão fiavelmente como resultado de classes particulares de eleições em casos e situações específicas.

Dito isto, resulta mais evidente o por que em realidade não interessa o estudo dos limites, das restrições e dos condicionantes da capacidade humana de interpretar e de tomar decisões em si; o que realmente interessa é a compreensão – ainda que aproximada - dos critérios, regras, estratégias e métodos de interpretação e de tomada de decisão, considerando as situações e casos concretos em que podem funcionar. Todo um aparato metodológico de técnicas de interpretação jurídica posto a disposição do operador jurídico com a finalidade de (1) obrigar a norma silenciosa a “falar” e (2) eliminar, camuflar ou subtrair qualquer resultado ou decisão devido às perspectivas individuais, limitadas, singulares e/ou particulares do sujeito intérprete.

Assim que para as principais teorias sobre a interpretação jurídica, o ato de manobrar o processo para tomar decisões corretas gira ao redor de um axioma onipresente: os seres humanos são racionais. De acordo com esta concepção que constitui os cimentos de grande parte das teorias jurídicas contemporâneas, os intérpretes (nomeadamente os juízes) são e/ou devem (o que pressupõe que podem) ser racionais e objetivos em seus juízos de valor acerca da justiça da decisão. Quer dizer, atendidos determinados princípios, regras e critérios metodológicos, estão capacitados para examinar o melhor que podem todos os fatores pertinentes ao caso e ponderar, sempre de forma aparentemente neutra, imparcial, razoável e não emocional, o resultado provável que segue a cada uma das eleições potenciais. A opção preferida (“justa”) é aquela que melhor se adequa aos princípios, métodos, regras ou critérios de racionalidade, razoabilidade e objetividade por meio dos quais a decisão foi gerada.

Esta sobrevalorada concepção da racionalidade jurídica está baseada na premissa de que, como humanos, estamos todos dotados de um elevado grau de sentido comum para prestar atenção às coisas que nos rodeiam, que nossa memória é mais consciente, controlável e fiel do que é em realidade e que a capacidade de racionalizar e/ou ponderar é um indicador fiável da precisão de nossos juízos.

O único problema é que esta entranhada suposição da racionalidade jurídica é equivocada, não somente porque os operadores reais do direito não são tão racionais como se pretende (e tão pouco funcionam como se o fossem), senão também pelo fato de que: a) simplifica ao extremo, artificializa e distorce a análise dos múltiplos fatores e influências, inatas e adquiridas, que condicionam nossas interpretações e nossas decisões; e b) elude a evidência de que a razão não cria valores, “sino que se configura en torno a ellos y los lleva hacia nuevas direcciones” (Simon Blackburn, 2003).

De fato, a principal causa do desgaste metodológico presente no direito é que parece que há poucas, ou nenhuma, interpretação independente do intérprete. E o mais expressivo sintoma desse desbastado cansaço está relacionado com a falta de revisão do conceito mesmo de racionalidade, procedente não de críticas hermenêuticas senão científicas, e em particular das ciências cognitivas da racionalidade. Desde que Aristóteles falou dos humanos como "animais racionais", formamos (e temos) uma imagem de nós mesmos baseada no mítico “ator racional”, apenas influenciado por pequenos e circunstanciais inconvenientes emocionais. A ciência cognitiva afirma justamente o oposto.

Mostra que os seres humanos são (predominante e prioritáriamente) uma desordenada coleção de “módulos” emocionais que afetam e alteram de maneira decisiva o entendimento, e cujo acesso imediato, automático e não consciente a um vasto armazém de memórias é constantemente utilizado como base de decisão. Temos uns poucos “módulos” para processar a lógica e a busca racional de objetivos, mas são lentos, energeticamente custosos e raras vezes empregados (D. Kahneman, 2011). Nas palavras de Scott Atran (2011), que a razão sozinha basta e é suficiente para interpretar, justificar, aplicar ou superar as exigências e imposições de normas, princípios e valores`sagrados´ ”sólo lo conciben los académicos descarriados y algunas gentes del gremio de los juristas. Nadie más”.

Desde esta perspectiva, as modernas teorias hermenêuticas, de interpretação e de argumentação jurídica não nos informam absolutamente nada sobre o "equipamento mental" que necessitamos para superar realmente os erros de raciocínio (ou até mesmo os contraproducentes), na medida em que fomentam um injustificado excesso de confiança metodológica e reforçam a ilusão de validez e eficácia de nossa racionalidade. O processo de realização do direito não é, e jamais será predominantemente um sistema teórico-racional de pensamentos, ao menos enquanto a genética não produza inéditos milagres nos cérebros das pessoas.

E não pode sê-lo pelo simples fato de que toda interpretação consiste em eleições sobre distintas possibilidades que tem lugar de algum modo no cérebro do intérprete, em uma mente que sempre está “llena de remembranzas irrevocables y de pensamientos impensables, que toman parte en todos sus juicios como fuerzas que no se pueden destruir” (O. W. Homes, 1861). Uma evidência que, por si só, já seria suficiente para recomendar que as interpretações deveriam levar a seguinte advertência: “Os pontos de vista expressados não são necessariamente os da racionalidade a que dou culto”.

Em realidade, uma interpretação/decisão não costuma ser mais racional que a vontade, as emoções e o conhecimento de quem a produz. Os atores principais da atividade interpretativa que determinam sua dinâmica são indivíduos que basicamente respondem às orientações de seus genes e de seus neurônios, assim como de suas experiências, memórias, valores, aprendizagens, emoções, intuições e influências procedentes do ambiente e da mentalidade comum. É claro que a hermenêutica, a racionalidade e a lógica seguramente ajudam a interpretar e aplicar direito, e não se deve desdenhar a importância de transformar nossos vagos instintos em um conjunto explícito de argumentos jurídicos – ainda que levem a maus resultados, não porque os seres humanos são incrivelmente deficientes no uso da razão, senão porque sistematicamente se esforçam por argumentos que justificam e confirmam suas crenças e/ou suas ações (H. Mercier, 2012). Mas nossas emoções e intuições morais, sem as quais não seríamos sequer capazes de valorar, existem muito antes que os teóricos e filósofos do direito propusessem as primeiras teorias e métodos para orientar a interpretação jurídica.

Assim que se queremos insistir na racionalidade, de que não devemos “abrir las puertas de la bodega para dejar que salgan los fantasmas de la irracionalidad o las alimañas del decisionismo” (A. Nieto, 2009), adiante. Ainda assim, é necessário saber de antemão que a racionalidade custa, que raramente é uma atividade fácil, que ativá-la requer esforço mental (custoso em tempo, energia e calorias), que pensar é um trabalho duro, que nossas vidas diárias estão organizadas para economizar o pensamento e que um intérprete racional não é aquele que tem uma visão do mundo mais consistente ou que é capaz de contar as melhores histórias.

Tão pouco é mais racional quem rechaça as emoções em nome de uma inexistente razão desencarnada, senão aquele que é capaz de examinar seus próprios prejuízos e de assumir que muitos fatores (conscientes ou não) interagem, competem e restringem a decisão que estabelece o cérebro. Como sugere David Hull (2011), a regra que parecem seguir os seres humanos consiste em comprometer-se com o pensamento racional somente quando falha todo o demais; e normalmente nem isso.

Esta concepção mitigada e revisada da racionalidade rebaixa o tom triunfalista e evangélico característico das teorias hermenêuticas e da argumentação jurídica atuais. Argumentar publicamente como se o chamado "pensamento racional" constituísse a essência da interpretação e do discurso jurídico reflete expectativas pouco realistas. A razão por si só não move a nada: “Isto é justo ou injusto?”, se pergunta nossa mente primitiva a cada instante interpretativo...”milésimas de segundo después tratamos de esbozar un juicio razonado”. (H. Mercier, 2011). Relâmpagos irracionais de intuição seguidos por uma argumentação rigorosa e motivada pela capacidade das pessoas em encontrar explicações e justificações ad hoc extraordinariamente bem, com rapidez, segurança e eficácia. Animais irracionais, como qualquer outro, que julgam e valoram movidos por seus instintos sem necessidade de sabê-lo ou pensar neles, mas com um verniz de racionalidade sobre os velhos móveis que adornam nossas emoções.

Dito de outro modo, a eleição deliberada requer sempre uma conjunção de razão e desejo que nenhum antecedente de educação pessoal, nenhuma lealdade profissional ou metodologia detalhista é capaz de refrear. Os instintos, a intuição, a memória, as emoções e as experiências de outros, transmitidas formal e informalmente em forma de normas e instituições, geram e modulam nossos desejos, nossas preferências e nossas crenças. E dado que a interpretação depende tanto do que passa na mente do intérprete como de sua relação – sua relação causal – com o que passa no mundo, a razão, por suas próprias limitações, deve fazer uso deste conhecimento, e não usurpá-lo e destruí-lo. Em resumo: o uso da razão, ademais de também encontrar-se limitado pela falta de informação e de tempo, implica diversos fatores de distinta importância e probabilidades que interagem até derivar em uma solução/decisão adequada ou satisfatória (não necessariamente a melhor).

Portanto, o principal (e grave) problema, insistimos, reside no fato de que os atuais modelos teóricos desenvolvidos sobre a tarefa hermenêutica e a própria unidade da realização do direito pecam ao ignorar a influência dos múltiplos fatores (inconscientes e irracionais, inatos e adquiridos) que condicionam os processos de tomada de decisão jurídica, construídas que estão a partir de premissas alheias a qualquer escrutínio empírico-científico minimamente sério, carentes da menor autoconsciência com respeito à realidade neuronal que nos constitui e dos problemas filosóficos e neuropsicológicos profundos que implica qualquer teoria da ação intencional humana.

Descuidam da evidência de que qualquer conduta humana, toda experiência humana, incluída a própria experiência hermenêutica, tem um "substrato" neurobiológico, e que, como tal, em tema de atividade interpretativa, é necessário perguntar-se acerca da relevância e utilidade que os métodos jurídicos podem ter sobre a desejada racionalidade, objetividade e neutralidade dos intérpretes autorizados. E ao buscar a resposta a essa pergunta há que descartar umas soluções puramente especulativas (racionais, razoáveis e/ou ponderadas) que possam obter-se pela via de certos “métodos-receitas”. A “consciência” do intérprete, que deve ser necessariamente levada em conta, não dispõe apenas do “componente” do conhecimento, senão também do “componente” emotivo-volitivo: sentimentos, intuições, ideologias, prejuízos, experiências pessoais, memória e demais.

Isto implica que razão e emoção precisam trabalhar juntas para criar o comportamento inteligente. Daí por que, neste particular, as ciências cognitivas chegaram à conclusão de que não se pode tomar uma decisão sem emoção e de que todas as decisões supostamente lógicas e razoáveis estão contaminadas por uma emoção. É certo que, em tema de interpretação jurídica, a lógica pode indicar distintas possibilidades e rechaçar as variantes absurdas; mas a razão não serve quando há que eleger entre duas o mais variantes que objetivamente apresentam idêntica utilidade.

Nesses casos, onde não existe uma preferência (emocional), a mente é incapaz de analisar, avaliar a informação disponível e antecipar as consequências possíveis da decisão. Como assinala Damasio (1994), a tomada de decisões implica, a nível cerebral, uma rápida representação mental da série de possíveis situações e das consequências vinculadas a tal decisão e nesse processo se ativam os componentes emocionais das alternativas avaliadas, jogando estes um papel importante na eleição da decisão mais vantajosa. Quer dizer: ou existe emoção ou não existe decisão (Haidt, 2006; Eagleman, 2011; Marcus, 2011; Damasio, 1994; Gazzaniga, 2005; LeDoux, 1998; Perna, 2004; Owen Jones, 2009).

Assim que o desejo de proporcionar uma justificação exaustivamente racional da maneira em que conduzimos nossas interpretações é falacioso e descabelado. A fantasia hiper-racionalista de demonstrar que todas nossas ações (e interpretações) se baseiam em premissas exclusivamente racionais é incoerente e devemos abandoná-la (H. Frankfurt, 2004). Nossos desejos, nossos prejuízos e nossas emoções intervêm sempre em maior ou menor medida em todo o processo de interpretação e de tomada de decisão em concreto, ou, para ser mais preciso, a articulação co-constitutiva da afetividade e da razão intervêm em toda a interpretação (compreensão), justificação e aplicação de uma vontade alheia, sobretudo naqueles domínios em que o “caso concreto”, o “caso da vida real”, surge ao intérprete com uma variedade e uma multiplicidade desconcertantes.

E se admitimos que o direito é um conjunto de hábitos interpretativos coletivamente desenvolvidos, não resulta difícil concluir que as atuais teorias acerca da hermenêutica, da interpretação e da argumentação jurídica parecem ser, hoje, a mais flagrante e patética expressão de um estridente anacronismo, pelo simples fato de que partem de um completo, absoluto e injustificável desconhecimento do funcionamento do cérebro humano. Continuamos a manejar-nos, em tema de hermenêutica e interpretação jurídica, de filosofia e ciência do direito do século XXI, baseados em uma psicologia humana impossível, com uma idéia de natureza humana procedente do século XVII e com os métodos do século XIX. Continuamos insistindo em formular construções doutrinárias e/ou propostas metodológicas cuja principal característica e “utilidade” são a de servir como mero mecanismo de legitimação posterior à decisão. Continuamos a permanecer limitados à tentativa de outorgar “autoritariamente” às decisões jurídicas um aspecto de “racionalidade”, de “razoabilidade”, de “objetividade” e valor epistemológico que do contrário jamais teriam. À semelhança “de una cortesana, la racionalidad está a disposición de cualquiera. No hay argumentación que no pueda ser defendida acudiendo a lo «racional» (o, en todo caso, a lo «razonable»)”. (Haba, 2011)

Por mais difícil que pareça, é preciso aceitar que a interpretação jurídica, tal como a conhecemos, é uma atividade levada a cabo por seres (cérebros) humanos com suas próprias necessidades, crenças, visões (prévias) do mundo, opiniões, amores, ódios, desejos, preferências, circunstâncias, problemas..., que, de uma forma ou outra, incidem e condicionam o resultado de suas interpretações, destinadas a transmitir suas mensagens a um público específico em uma época e um lugar determinados. Cada um dos intérpretes do direito é um ser humano, cada um deles, com suas limitações, deficiências e imperfeições, tem algo diferente a comunicar, cada um intenta transmitir sua visão de mundo a partir da construção de uma justificação acerca de sua desejada interpretação. Cada um deles, de certo modo, muda, altera ou transforma os textos que interpreta.

Esta simples evidência ilustra eficazmente os curiosos malabarismos que os intérpretes podem chegar a fazer com os critérios, princípios, regras ou métodos interpretativos para inferir as decisões que valoram como positivas e que trabalham a favor de suas preferências, crenças e desejos, torcendo de forma idiossincrática o significado que atribuem à informação que tomam do mundo. Como há maneiras alternativas de interpretar ou “moldurar” o que encontram na norma, os intérpretes parecem ser bastante adictos a encontrar a decisão (justificações e argumentos) que lhes convêm, um objetivo que na maioria das vezes lhes leva a afilar, limar e alterar seletivamente a mensagem normativa: não tanto pelo uso indiscriminado, imoral e vicioso da “Katchanga real!”, mas principalmente por meio de uma diarréia argumentativa incessante. Nestas tendenciosas inclinações das interpretações relativamente sutis podem encontrar-se muitos dos defeitos mais significativos da pretendida racionalidade jurídica.

Também há que recordar, neste particular, outros dois fatores importantes. Primeiro, que estamos todos predispostos a ver ordem, padrões e significado no mundo, e que nos resultam insatisfatórios a aleatoriedade, a falta de previsibilidade e de sentido, os caprichos da irracionalidade, o caos da incerteza e a falta de coerência. Essa tendência a racionalizar e atribuir ordem a estímulos irracionais é tão poderosa e automática, está tão incorporada em nossa maquinaria cognitiva, que a empregamos para apreender e interpretar o mundo, detectar coerência inclusive donde não há nenhuma, acreditar na existência de “evidências” inexistentes e criar mecanismos para validar racionalmente nossos juízos, crenças e preferências. E não é que queiramos ver tudo de forma tão racional; simplesmente o vemos dessa forma. (Gilovich, 2009)

Segundo, está o fato de que não somente padecemos das denominadas “ilusão de validez” – isto é, a falsa crença na fiabilidade de nosso próprio juízo (D. Kahneman, 2011) – e “tendência de confirmação” – ou seja, da tendência a preferir as interpretações que apoiam ou confirmam nossas próprias preferências, hipóteses e crenças prévias, independentemente de serem ou não verdadeiras -, senão também que as pessoas se vêem a si mesmas como objetivas e, como tal, raramente pensam que sustentam uma crença só porque lhes apetece.

O problema é que este sentido de objetividade resulta ser igualmente ilusório: ainda que pensem que suas interpretações estão vinculadas estritamente a critérios e provas relevantes, geralmente não se dão conta de que os mesmos critérios e provas podem mirar-se desde outro ponto de vista, nem de que há outros critérios e provas, igualmente pertinentes, que considerar. Como diz Ziva Kunda (1990), ”... a gente não se dá conta de que o processo (inferencial) está condicionado por seus objetivos, de que somente estão acedendo a uma parte de seu conhecimento relevante, de que provavelmente acederiam a diferentes crenças e regras (de inferência) se tivessem objetivos distintos, e de que poderiam, inclusive, ser capazes de justificar conclusões opostas em ocasiões diferentes”.

Sendo assim, o que parece realmente relevante é tratar de incorporar no âmbito da hermenêutica jurídica uma reflexão e tomada de posição mais esclarecida de cara com as pesquisas levadas a cabo pelas ciências cognitivas, uma vez que estas estão começando a tocar questões que antes eram do domínio exclusivo de filósofos e juristas; questões sobre como a gente toma decisões e o grau em que ditas decisões são verdadeiramente livres, racionais, objetivas, neutras, ponderadas... Com a ciência do cérebro moderna claramente estabelecida, é difícil justificar que nossas teorias hermenêuticas possam “seguir funcionando sin tener en cuenta lo que hemos aprendido”. (Eagleman, 2011)

Como já dissemos em outro momento, não há dúvidas de que, por razões históricas, os juristas de hoje não estão bem preparados para unir-se às inovações procedentes das atuais investigações. Simplesmente relutam em manter-se ao dia com os desenvolvimentos científicos pertinentes. Também é certo que deve resultar intimidante, quando se é “jurista” toda a vida, reconhecer de repente que os neurocientistas, psicólogos, biólogos, antropólogos, etc., sabem algumas coisas importantes acerca do funcionamento interno da mente que podem ter um impacto direto sobre tudo o que sabem fazer. Ninguém quer voltar a começar de novo.

Mas o realmente novo já está aí fora e negá-lo parece ser de um cinismo atroz e/ou de uma ignorância imperdoável e irredimível. E como a ciência trata todo o tempo de estender os limites do que se conhece, os juristas que se negam intolerantemente a admitir sua relevância para o âmbito do direito estão continuamente sendo empurrados contra uma barreira de ignorância. Quanto mais ciência sejam capazes de aprender, mais se darão conta do que ainda não sabem, e da natureza defeituosa do que afirmam saber. Esta perspectiva intelectual geral, esta consciência do difícil que pode ser saber algo “com certeza”, ainda que humilhante, representará um importante benefício colateral à tarefa interpretativa. E seguramente assim será, porque distinguir o que sabemos bem do que somente cremos que seja certo já é, por si só, um avanço importante. Como disse com absoluta pertinência Artemus Ward (2009), na maioria das vezes, não são as coisas que ignoramos as que nos causam problemas; são as coisas que “sabemos” e não são assim.

Contudo, para lográ-lo é necessário estar alerta às ficções tradicionais da dogmática jurídica profissional, advertidas já desde há muito tempo atrás pelos autores mais lúcidos – hoje geralmente relegados ao olvido – entre os teóricos e filósofos do direito. Não menos indispensável é não deixar-se seduzir tão pouco pela proliferação em divertimentos essencialmente narcisos-acadêmico, uns ou outros jogos terminológicos escapistas, que levam a voz cantante nos estudos atuais para o campo da (meta-) Teoria do Direito: lógica deôntica, construtivismos racionalistas ou “razoabilistas” (concepções e discussões messiânicas sobre o que é a “argumentação” jurídica, etc.), teorias sistêmicas, alternativas, semióticas formalistas em geral, e mais... (... sem excluir os estudos que fuçam no mare magnum do não menos obscuro que pretencioso palavreio chamado “pós-modernismo”).

Dito de outro modo, quem se proponha a intervir aí não terá mais remédio que tomar humildemente em conta tudo isso ou virar às costas à realidade: consagrar-se a dissimulá-la mediante alguma teorização todo o convenientemente abstrata e pedante, sob o argumento de que por força da própria formação, status ou posição sócio-institucional se encontram privados de certa classe de informação científica. Os estudos provenientes das ciências cognitivas estão exigindo a gritos um novo despertar da consciência hermenêutica dos juristas, uma reinvenção ou construção conjunta de alternativas metodológicas reais e factíveis, compatível com a dimensão essencialmente humana (neuronal) da tarefa de interpretar, justificar e aplicar o direito.

Isto é, que o historicamente (oficialmente) admitido como “correto” deve ser redefinido a partir de uma concepção mitigada e revisada da racionalidade humana. Um novo modelo hermenêutico-interpretativo que, ajustando-se à dimensão essencialmente humana da tarefa de interpretar, justificar e aplicar o direito nos proporcione instrumentos mais frutíferos e fascinantes de cultivar o direito do que essa espécie de hermenêutica jurídica “no vazio” em que todos nos acostumamos a comprazer-nos nos velhos tempos. Porque por mais que o ser humano haja adquirido novos e elevados juízos, tenha aprendido a adornar com “racionalidade” seus mais vivos e prosaicos instintos e pretenda ignorar a herança animal de seu passado evolutivo, segue sendo um primata.

Muito do que sabemos sobre interpretação e tomada de decisão já cambiou nos últimos anos e não é possível adquirir uma visão mais ampla e realista do (epi-) fenômeno jurídico “vegetando en una pequeña esquina del mundo durante toda la vida” (Mark Twain). Para apreciar verdadeiramente a complexidade da tarefa interpretativa e o intricado dos processos de decisão, é necessário e de fundamental importância compreender o quanto podemos estar equivocados e confundidos pela aparente “evidência” de teorias formuladas por algumas confrarias de sofisticados hermeneutas, analíticos ou jus-metodólogos.

É chegado o momento de admitir que o direito não poderá seguir suportando, por muito mais tempo, seus modelos hermenêutico-interpretativos elaborados sobre construções especulativas ou por mera contemplação da natureza humana, de assumir o difícil compromisso de abandonar nossa tendência a aceitar com gesto bovino e mumificar elegantes teorias que nos consolam e que nos fazem sentir bem, de distanciar-nos das inferências estúpidas, de tratar de adquirir uma compreensão mais profunda e sólida sobre a condição e a experiência humana, de questionar nossas antigas, envenenadas e arraigadas suposições e, acima de tudo, de desafiar o que cremos saber.

Data de acesso:14/03/2013