terça-feira, 28 de maio de 2013

Mandado de segurança individual e coletivo,LEI Nº 12.016, DE 7 DE AGOSTO DE 2009.



Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. 
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. 
§ 1o  Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições. 
§ 2o  Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. 
§ 3o  Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança. 
Art. 2o  Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada. 
Art. 3o  O titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer, no prazo de 30 (trinta) dias, quando notificado judicialmente. 
Parágrafo único.  O exercício do direito previsto no caput deste artigo submete-se ao prazo fixado no art. 23 desta Lei, contado da notificação. 
Art. 4o  Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos legais, impetrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada. 
§ 1o  Poderá o juiz, em caso de urgência, notificar a autoridade por telegrama, radiograma ou outro meio que assegure a autenticidade do documento e a imediata ciência pela autoridade. 
§ 2o  O texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 (cinco) dias úteis seguintes. 
§ 3o  Para os fins deste artigo, em se tratando de documento eletrônico, serão observadas as regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. 
Art. 5o  Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: 
I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; 
II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; 
III - de decisão judicial transitada em julgado. 
Parágrafo único.  (VETADO) 
Art. 6o  A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições. 
§ 1o  No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição. 
§ 2o  Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria coatora, a ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação. 
§ 3o  Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática. 
§ 4o  (VETADO)
§ 5o  Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. 
§ 6o  O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito. 
Art. 7o  Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: 
I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações; 
II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito; 
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. 
§ 1o  Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento, observado o disposto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. 
§ 2o  Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. 
§ 3o  Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença. 
§ 4o  Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento. 
§ 5o  As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei no 5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. 
Art. 8o  Será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe cumprirem. 
Art. 9o  As autoridades administrativas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da notificação da medida liminar, remeterão ao Ministério ou órgão a que se acham subordinadas e ao Advogado-Geral da União ou a quem tiver a representação judicial da União, do Estado, do Município ou da entidade apontada como coatora cópia autenticada do mandado notificatório, assim como indicações e elementos outros necessários às providências a serem tomadas para a eventual suspensão da medida e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder. 
Art. 10.  A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração. 
§ 1o  Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e, quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o órgão competente do tribunal que integre. 
§ 2o  O ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da petição inicial. 
Art. 11.  Feitas as notificações, o serventuário em cujo cartório corra o feito juntará aos autos cópia autêntica dos ofícios endereçados ao coator e ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, bem como a prova da entrega a estes ou da sua recusa em aceitá-los ou dar recibo e, no caso do art. 4o desta Lei, a comprovação da remessa. 
Art. 12.  Findo o prazo a que se refere o inciso I do caput do art. 7o desta Lei, o juiz ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará, dentro do prazo improrrogável de 10 (dez) dias. 
Parágrafo único.  Com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em 30 (trinta) dias. 
Art. 13.  Concedido o mandado, o juiz transmitirá em ofício, por intermédio do oficial do juízo, ou pelo correio, mediante correspondência com aviso de recebimento, o inteiro teor da sentença à autoridade coatora e à pessoa jurídica interessada. 
Parágrafo único.  Em caso de urgência, poderá o juiz observar o disposto no art. 4o desta Lei. 
Art. 14.  Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. 
§ 1o  Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição. 
§ 2o  Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer. 
§ 3o  A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar. 
§ 4o  O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial. 
Art. 15.  Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição. 
§ 1o  Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. 
§ 2o  É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. 
§ 3o  A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. 
§ 4o  O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. 
§ 5o  As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original. 
Art. 16.  Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão do julgamento. 
Parágrafo único.  Da decisão do relator que conceder ou denegar a medida liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre. 
Art. 17.  Nas decisões proferidas em mandado de segurança e nos respectivos recursos, quando não publicado, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do julgamento, o acórdão será substituído pelas respectivas notas taquigráficas, independentemente de revisão. 
Art. 18.  Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada. 
Art. 19.  A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais. 
Art. 20.  Os processos de mandado de segurança e os respectivos recursos terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus
§ 1o  Na instância superior, deverão ser levados a julgamento na primeira sessão que se seguir à data em que forem conclusos ao relator. 
§ 2o  O prazo para a conclusão dos autos não poderá exceder de 5 (cinco) dias. 
Art. 21.  O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. 
Parágrafo único.  Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: 
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; 
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante. 
Art. 22.  No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. 
§ 1o  O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva. 
§ 2o  No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas. 
Art. 23.  O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. 
Art. 25.  Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé. 
Art. 26.  Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis. 
Art. 27.  Os regimentos dos tribunais e, no que couber, as leis de organização judiciária deverão ser adaptados às disposições desta Lei no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da sua publicação. 
Art. 28.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 
Brasília,  7  de  agosto  de 2009; 188o da Independência e 121o da República. 
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
José Antonio Dias Toffoli
Este texto não substitui o publicado no DOU de 10.8.2009
Data de acesso: 29/05/2013

Qualquer cidadão pode entrar com pedido de Habeas Corpus.



O habeas corpus
1. O HC – Habeas Corpus como Ação Constitucional Concreta
A Constituição da República tem a sua supremacia normativa garantida judicialmente por dois modelos de controle de constitucionalidade: o concentrado perante o Supremo Tribunal Federal – STF e o difuso perante qualquer órgão judicial.
No controle concentrado, a ação judicial de defesa da supremacia normativa da Constituição é proposta diretamente junto ao STF, posto ser esse o único órgão judicial competente para conhecer e julgar a mencionada ação. No controle concentrado, a ação proposta visa atacar norma jurídica que, em tese ou abstratamente, esteja em contradição com norma constitucional.
Nessas hipóteses, não há um caso concreto, uma situação na qual haja interesses subjetivos em conflito. Há, simplesmente, uma norma jurídica em vigor que desafia a supremacia normativa do texto constitucional. Há um conflito de hierarquia normativa que precisa ser resolvido. Os interesses subjetivos são indiretos. O interesse direto é a defesa da supremacia normativa da Constituição.
Em face dessas hipóteses, extraímos diretamente do texto constitucional um rol de ações abstratas e concretas. É preciso ter em perspectiva que as ações abstratas e concentradas de defesa da supremacia normativa da Constituição Federal somente podem ser propostas originariamente junto ao STF, enquanto que as concretas podem ser ajuizadas em qualquer órgão judicial, segundo a competência desse órgão.
São ações constitucionais concentradas abstratas a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade e a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
No controle difuso há um caso concreto, há interesses jurídicos intersubjetivos que buscam o amparo da norma constitucional. Nessa hipótese, não há um conflito em tese de uma norma jurídica em face da norma constitucional, mas uma situação concreta – e não abstrata ou hipotética - da vida na qual devido a uma norma jurídica há uma violação da supremacia da norma constitucional.
Em nossa perspectiva, são ações constitucionais concretas, também conhecidas como "remédios ou writs constitucionais": o Habeas Corpus, o Habeas Data, o Mandado de Segurança, o Mandado de Injunção e a Ação Popular. Isso porque essas ações podem ser ajuizadas pelo indivíduo ou cidadão ou por um grupo de indivíduos, inclusive reunidos em associações ou entidades de classe.


2.
Noção conceitual do HC.
O inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição da República dispõe que "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". Nesse sentido, tem-se que o HC é a ação constitucional penal garantidora da liberdade de locomoção da pessoa humana constrangida em face de ilegalidade ou abuso de poder.
A origem do HC repousa no direito inglês e o significado de sua expressão é "tenha o corpo" ou "exiba o corpo" ou "apresente a pessoa". Nas três primeiras décadas do Século XX surgiu a denominada doutrina brasileira do HC, uma construção jurisprudencial do STF a partir de uma leitura ampliativa do disposto no §22 do artigo 72 da Constituição de 1891, cujo enunciado, em sua redação originária, prescrevia: "Dar-se-á o habeas-corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder".
Em face desse enunciado, o STF, a partir da atuação advocatícia de Ruy Barbosa e da judicatura do Ministro Pedro Lessa, passou a conceder as ordens de HC não apenas nas hipóteses de liberdade de locomoção, mas diante de quaisquer afronta às liberdades do indivíduo. Essa doutrina foi predominante no Brasil entre os anos de 1909 a 1926. Nesse último ano, a Constituição de 1891 foi emendada e o aludido §22 do artigo 72 passou a ter a seguinte redação: "Dar-se-á o habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção". De lá para cá, o HC tem-se vocacionado à proteção da liberdade de locomoção. Os demais direitos anteriormente protegidos pelo HC, receberam um novo "remédio ou writ" judicial: o mandado de segurança.


3.
Natureza jurídica.
O HC tem natureza de ação popular penal constitucional, uma vez que provoca o Judiciário para solucionar um conflito entre a pessoa que tem sua liberdade de locomoção ameaçada ou violada e o agente ou órgão constrangedor dessa liberdade de locomoção. A situação configura um ilícito penal, daí o caráter penal em sua natureza. Nada obstante, o HC tem assento no texto constitucional. Eis o seu aspecto de remédio ou writ constitucional. Como pode ser ajuizado ou impetrado por qualquer um do povo, eis o matiz popular dessa ação.


4. Objeto.
O objeto do HC é o ato de agente ou órgão estatal ou que age com atribuição pública constrangedor da liberdade de locomoção do indivíduo. É o ato inviabilizador do direito de ir, vir e ficar sem constrangimentos ilícitos ou abusivos. É o direito de acesso, ingresso, saída, permanência e deslocamento dentro do território nacional (MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 2005, p. 112).


5. Finalidade.
A finalidade do HC é a proteção do direito constitucional de locomoção da pessoa humana em face de constrangimento ilegal ou abusivo, garantindo-se ao destinatário da aludida proteção uma situação de tranqüilidade e paz individual e de certeza de que não sofrerá coação ilegal ou ilegítima na sua liberdade de ir, vir e ficar.


6. Cabimento.
Nos termos dos artigos 647 e 648, incisos, do Código de Processo Penal – CPP (Decreto-Lei nº. 3.689, de 3.10.1941) cabe o HC sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. A coação será considerada ilegal quando: a) não houver justa causa; b) alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; c) quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; d) houver cessado o motivo que autorizou a coação; e) não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; f) o processo for manifestamente nulo e g) extinta a punibilidade.
O HC pode ser preventivo ou liberatório. No preventivo, o HC é impetrado se houver justo receio de que esteja ameaçada a liberdade de locomoção do indivíduo. No HC preventivo, pede-se um salvo-conduto para que a pessoa não tenha sua liberdade constrangida por uma ameaça ilegal ou abusiva. No liberatório, o HC é impetrado para sanar a violência ou coação cometida ilegal ou abusivamente contra a liberdade ambulatória da pessoa. Em ambas as espécies, nas hipóteses de perigo na demora (periculum in mora) e de "fumaça do bom direito" (fumus boni juris), ou seja, de que haja uma densa plausibilidade jurídica do pedido com o risco de sua ineficácia, se houver demora na prestação jurisdicional, o HC pode ser concedido liminarmente, inclusive sem a audiência prévia do agente ou órgão constrangedor da liberdade de locomoção.
O HC é o principal remédio processual de defesa da liberdade de locomoção do indivíduo. Sempre que esta estiver em risco ou violada, o HC pode ser manejado. Nos processos penais, se inexistente qualquer outro meio processual, pode-se lançar mão do HC. Nos cíveis, se houver risco de violação da liberdade ambulatorial do indivíduo, o HC pode ser usado. Indubitavelmente, o Habeas Corpus é a panacéia contra os males da perda de liberdade de locomoção.


7. Não Cabimento.
O HC não cabe se não houver ilegalidade ou abuso de poder na ameaça ou na privação da liberdade de locomoção do indivíduo. Nessa linha, um indivíduo regularmente preso, em princípio, não terá concedida a ordem de Habeas Corpus. Daí que a primeira análise acerca da eventual ameaça ou constrangimento da liberdade ambulatorial de um indivíduo diz respeito ao critério da legalidade ou abusividade dessa ameaça ou constrangimento. A "violência legal e válida" não será atacada via HC.
Não cabe o HC se houver a necessidade de dilação probatória. O HC pressupõe o direito líquido e certo à liberdade de locomoção com a demonstração documental de que há ilegal ou abusiva ameaça ou violação a esse direito. As provas devem estar pré-constituídas. Se houver a necessidade de comprovação das provas, de perícias, tomada de testemunhos etc., incabível o HC, haja vista o caráter sumaríssimo de seu rito procedimental, entendimento confirmado pelo STF no julgamento do HC 82.191 (Relator Ministro Maurício Corrêa).
Nos termos do §2º do art. 142 do texto constitucional, não cabe o habeas corpus em relação a punições disciplinas militares. O não cabimento do HC nessas hipóteses está condicionada ao mérito da decisão punitiva. Todavia, se houver ilegalidade na forma ou nos meios ou abusividade (desproporcionalidade ou irrazoabilidade) na aplicação da punição castrense, cabível será o remédio heróico contra as punições militares. Assim, nessas hipóteses, há de se perquirir se houve respeito à autoridade hierárquica, ao poder disciplinar em si, o ato disciplinar ligado à função e a punição disciplinar cabível, conforme precedente do STF no HC 70.648 (Relator Ministro Moreira Alves).


8. Legitimação ativa.
O HC pode ser impetrado (ajuizado) por qualquer pessoa, independentemente de capacidade postulatória processual. Ou seja, o autor da ação de Habeas Corpus não pressupõe a representação de um advogado, nos termos do artigo 654 do CPP e do §1º do artigo 1º da Lei 8.906, de 4.7.1994 – Estatuto da Advocacia. O primeiro dispositivo reza que "O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público". O segundo enuncia que "não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal".
O destinatário da proteção do HC denomina-se paciente, que vem a ser aquele que se encontra ameaçado ou coagido ou violado em seu direito de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Impetrante é o provocador do Judiciário por meio do HC em seu próprio favor ou em favor de outrem. Nos termos do CPP, o Ministério Público também pode impetrar HC.
A proteção jurídica da liberdade ambulatorial impõe, inclusive, a possibilidade do HC de ofício, nos termos do §2º do art. 654 do CPP: "Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal".


9. Legitimação passiva.
O HC será impetrado contra o agente ou órgão com poder de decisão (liberdade de escolha) que ameaça ou coage ou viola ilegal ou abusivamente o direito de locomoção do paciente.
Nessa linha, o primeiro critério a ser analisado na hipótese de ameaça ou coação ou violência ilegal ou abusiva da liberdade de locomoção do indivíduo é se não se trata de buscar a proteção policial nas situações tipificadas na legislação penal, mormente os artigos 146, 147, 148 e 149 do Código Penal – CP (Decreto-Lei 2.848, de 7.12.1940).
Se a situação fática se enquadrar em algum dos referidos tipos penais, desnecessária será a impetração do HC, posto que o procedimento mais adequado seja a comunicação às autoridades policiais para que haja a cessação dessa ameaça ou coação ou violência à liberdade de locomoção do indivíduo.
Daí que pode ser legitimado passivo do HC tanto a autoridade pública quanto o agente privado, desde que haja poder de decisão autônoma em suas escolhas e que não sejam condutas tipificadas penalmente.


10. Procedimentos.
A petição de HC pode ser patrocinada por qualquer pessoa, inclusive pelo Ministério Público, em favor do signatário ou de outrem. Não há necessidade de advogado no patrocínio da ação. Não deveria. Em vista do valor protegido pelo HC, mais do que nunca a defesa técnica de um profissional da advocacia se faz indispensável.
O § 1º do art. 654 do CPP prescreve que a petição de HC conterá "a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça; b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que se funda seu temor; c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências". O § 2º do aludido artigo enuncia que "os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal".
Haja vista a possibilidade de qualquer pessoa impetrar o HC, independentemente de conhecimentos técnico-jurídicos e diante da possibilidade de sua concessão de ofício pelo órgão judicial, a jurisprudência tem sido o menos formalista possível no conhecimento e julgamento dessa ação. O conhecimento do HC pressupõe direito líquido e certo, não cabendo investigações ou dilações probatórias, devendo as provas documentais estar pré-constituídas e juntas aos autos.
Nada obstante, se o órgão julgador vislumbrar que a ameaça ou coação ou violência à liberdade de locomoção do indivíduo é ilegal ou abusiva, deve conceder de ofício a ordem de HC, independentemente dos pedidos feitos nos autos. A liberdade do indivíduo suplanta as formas processuais.
O art. 656 do CPP prescreve que "recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar". No parágrafo único desse artigo está enunciado que "em caso de desobediência, será expedido mandado de prisão contra o detentor, que será processado na forma da lei, e o juiz providenciará para que o paciente seja tirado da prisão e apresentado em juízo". É da essência original do HC a apresentação do "corpo" do paciente ao magistrado, inclusive para verificar a integridade física do preso.
O art. 657 do CPP dispõe que "se o paciente estiver preso, nenhum motivo escusará sua apresentação, salvo I – grave enfermidade do paciente; II – não estar ele sob a guarda da pessoa a quem se atribui a detenção; III – se o comparecimento não tiver sido determinado pelo juiz ou pelo tribunal". No parágrafo único desse artigo está prescrito que "o juiz poderá ir ao local em que o paciente se encontrar, se este não puder ser apresentado por motivo de doença".
Ao juiz deve ser informado sob a ordem de qual autoridade esteja o paciente custodiado, nos termos do art. 658 do CPP.
Cessada a violência ou coação ilegal, o magistrado julgará prejudicado o HC, na linha do art. 659 do CPP.
O art. 660 do CPP prescreve que "efetuadas as diligências, e interrogado o paciente, o juiz decidirá, fundamentadamente, dentro de 24 (vinte e quatro) horas". Nos seis parágrafos desse artigo constam as seguintes disposições: "Se a decisão for favorável ao paciente, será logo posto em liberdade, salvo se por outro motivo dever ser mantido na prisão (§1º). Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento (§2º). Se a ilegalidade decorrer do fato de não ter sido o paciente admitido a prestar fiança, o juiz arbitrará o valor desta, que poderá ser prestada perante ele, remetendo, neste caso, à autoridade os respectivos autos, para serem anexados aos do inquérito policial ou aos do processo judicial (§3º). Se a ordem de HC for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz (§4º). Será incontinenti enviada cópia à autoridade que tiver ordenado a prisão ou tiver o paciente à sua disposição, a fim de juntar-se aos autos do processo (§5º). Quando o paciente estiver preso em lugar que não seja o da sede do juízo ou tribunal que conceder a ordem, o alvará de soltura será expedido pelo telégrafo, se houver, observadas as formalidades estabelecidas no art. 289, parágrafo único, in fine, ou por via postal (§6º).
Nos tribunais, a petição de HC será distribuída ao órgão competente, que requisitará, se entender necessário, informações por escrito da autoridade apontada como coatora. Se a petição não satisfizer os requisitos formais de seu conhecimento, será aberta a possibilidade de sua "emenda", sob pena de indeferimento, mediante a confirmação do órgão competente (arts. 661 a 663, CPP).
O HC tem rito privilegiado nos tribunais. Em regra, não há a necessidade de sua inclusão na pauta de julgamentos, nem de previa intimação. Recebidas as informações, ou dispensadas, o HC será julgado na primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o julgamento para a sessão seguinte (art. 664, CPP).
Prescreve o parágrafo único do referido artigo: "A decisão será tomada por maioria de votos. Havendo empate, se o presidente não tiver tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente". Esse dispositivo sufraga o princípio in dubio pro reo que é um dos alicerces das garantias penais dos indivíduos.


11. Competência julgadora.
No STF, a disciplina constitucional do HC está regulada nas alíneas b, c, d e i do inciso I do art. 102 e na alínea a do inciso II do mesmo artigo.
No STJ, a disciplina constitucional do HC está regulada nas alíneas a e c do inciso I do art. 105 e na alínea a do inciso II do mesmo artigo.
A competência constitucional dos TRFs e dos juízes federais está disciplinada nos arts. 108 e 109, sendo que no inciso VII deste último artigo está prescrito que os juízes federais julgarão o HC, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição.
As justiças trabalhista, eleitoral e militar processarão e julgarão o HC se o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição (art. 114, IV; art. 121; e art. 124, CF).
A justiça estadual terá sua competência definida pelas Constituições dos respectivos Estados e de suas leis de organização judiciária, observados os princípios estabelecidos na Constituição da República (art. 125, CF).
Natural de Campo Maior - PI. Bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI. Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Procurador da Fazenda Nacional perante o Supremo Tribunal Federal. Advogado público federal inscrito na OAB/DF. Professor de Direito Constitucional no Centro Universitário de Brasília e no Centro Universitário de Anápolis.


Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
ALVES JR., Luís Carlos Martins. O habeas corpus. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1257, 10 dez. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9248>. Acesso em: 29 maio 2013.
Elaborado em 07/2006.
Página 1 de 2»
Data de acesso:29/05/2013