O fornecimento de
energia elétrica é caracterizado como serviço público essencial.
Compensação direta ao
consumidor no caso de interrupção de energia elétrica
Em maio de 2009 foi instaurada a CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito) das Tarifas de Energia Elétrica, com
objetivo de investigar as razões pelas quais a a sociedade brasileira
tem sido obrigada a pagar valores exorbitantes em suas contas de luz (sic
Relatório final da CPI).
Os trabalhos da CPI, acompanhado pelos olhares atentos de parcelas da sociedade
e do setor regulado, inauguraram um ano em que muito aconteceu no âmbito da
regulação de energia, das discussões sobre metodologia de cálculo das tarifas e
ressarcimento aos consumidores aos polêmicos temas de eficiência energética e
discussão da matriz energética brasileira (com especial atenção às audiências
públicas sobre o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte).
Em meio a todas essas discussões, a que com certeza está mais presente
na cabeça das pessoas e mais transtornos causou a população, recriando em
instantes o medo do retorno do racionamento de energia de 2001, foi, sem
dúvida, a interrupção no fornecimento que afetou doze estados brasileiros por
cerca de cinco horas na noite de 10 de novembro de 2009.
O fornecimento de energia elétrica é caracterizado como serviço público
essencial, pois necessário ao pleno desenvolvimento humano. Como
monopólio natural, o serviço de distribuição de energia elétrica deve ser
regulado pelo Estado, segundo o modelo brasileiro. Uma das principais obrigações
da agência reguladora, para cumprir com missão de manutenção do equilíbrio do
mercado, é garantir que sejam oferecidos aos consumidores serviços de qualidade
com modicidade tarifária.
O principal indício do desequilíbrio é o preço exorbitante das tarifas e
o alto grau de lucratividade das distribuidoras. O Brasil é um dos maiores
produtores mundiais de energia, com 2,2% do total produzido no mundo, e o
terceiro maior produtor hidrelétrico.
No passado, o (baixo) preço da energia elétrica era percebido como uma
vantagem competitiva para o Brasil. Apesar do aumento da renda média brasileira
observada a partir de 2002, as tarifas de energia subiram muito além dos
índices inflacionários. São constates e reiteradas as críticas relacionadas à
composição das tarifas de energia, e é a forçoso observar que os procedimentos
vem apresentando falhas e imperfeições há muitos anos [1].
Por outro lado, a insegurança do setor elétrico e falta de qualidade do
serviço marcam a prestação oferecida à população brasileira. Os recentes, e
cada vez mais frequentes, episódios de suspensão do fornecimento, para os quais
a explicação plausível sempre tarda a chegar, não devem permitir esquecer a
crise ocorrida em 2001 e 2002.
Em dezembro de 2008, a Diretoria Colegiada da Aneel aprovou os
Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional
-PRODIST, que disciplina o relacionamento entre os agentes no âmbito dos
sistemas elétricos de distribuição.
Já em 2009 houve a primeira revisão do PRODIST, objeto da audiência
pública 033/2009 da Aneel,realizada de 10 de setembro a 09 de outubro de 2009,
a qual introduziu modificações no Módulo 3 (regras de contratação de uso da
rede de distribuição por parte de central geradora que possuem carga) e no
Módulo 8 (metodologia para dimensionamento dos indicadores de continuidade DIC,
FIC e DMIC e novos critérios para a formação de conjuntos de unidades consumidoras),
além de pequenos ajustes nos demais módulos.
Na apresentação do Relatório da CPI das Tarifas, o deputado Alexandre
Santos, Relator da CPI, afirma cruamente que os consumidores, de modo
geral não são capazes de compreender o que de fato está por trás do simples ato
de acionar um interruptor e observar a lâmpada se acendendo, aduzindo que a
assimetria de conhecimento e de informação torna os consumidores de energia
agentes passivos na relação com os demais agentes que atuam no setor elétrico.
Ao fazer a leitura dos documentos pertinentes ao PRODIST, em particular
o Módulo 8, que diz respeito à Qualidade da Energia Elétrica, e as Notas
Técnicas 092/2009-SRD/ANEEL de 24 de agosto de 2009 e 0130/2009-SRD/ANEEL, de
12/11/2009, o cidadão-consumidor vê-se obrigado a concordar com aquele
representante do povo. As regras e procedimentos do setor são de fato
incompreensíveis para o leigo que é o consumidor.
Paradoxalmente, aquele consumidor que se dispuser a fazer a leitura do
Módulo 8 do PRODIST descobrirá, na seção 8.2, que trata da Qualidade do
Serviço, que dentre seus objetivos está o deestabelecer procedimentos
relativos à qualidade do serviço prestado pelas distribuidoras aos consumidores,
além de definir indicadores e padrões de qualidade de serviço de forma
a oferecer aos consumidores parâmetros para a avaliação do serviço prestado
pela distribuidora (1.3 c).
Com a revisão do PRODIST aprovada pela Resolução Normativa 395, de 15 de
dezembro de 2009, a agência divulgou com alarde que, a partir de 1º de janeiro
de 2010, os valores que as distribuidoras pagam a título de multa pelo
descumprimento dos indicadores coletivos de continuidade seriam integralmente
revertidos para compensar diretamente os consumidores afetados [2].
Novidade?
Embora esses indicadores de continuidade individuais, DIC (Duração de
Interrupção por Unidade Consumidora) [3],
FIC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) [4] e
DMIC (Duração Máxima de Interrupção Contínua por Unidade Consumidora) [5],
já figurem nas contas de energia há um bom tempo, a grande maioria dos
consumidores ignora até hoje o significado das siglas e sua utilidade.
A Resolução Aneel 24, de 27 de janeiro de 2000, revogada pela Resolução
395/2009, estabeleceu disposições relativas à continuidade dos serviços
públicos de energia nos aspectos de duração e frequência, além de definir que a
continuidade dos serviços públicos de energia elétrica deverá ser supervisionada,
avaliada e controlada por meio de indicadores individuais associados a cada
unidade consumidora e ponto de conexão.
É oportuno lembrar que em seu artigo 15, a Resolução 24/2000 já
determinava o dever da concessionária de informar, na fatura dos consumidores,
de forma clara e auto-explicativa os padrões mensais definidos para os
indicadores de continuidade individuais (DIC e FIC). Tornava também
obrigatória, a partir de janeiro de 2005, a informação dos valores mensais de
DIC, FIC e DMIC verificados na última apuração, dispensando a partir de então a
obrigatoriedade das informações relativas aos indicadores DEC e FEC.
Estabelecia ainda a obrigatoriedade, a partir de março de 2006, da
informação, na fatura de energia elétrica de todas as unidades consumidoras,
sobre o direito do consumidor receber uma compensação quando ocorrer violação
dos padrões de continuidade individuais, relativos à unidade consumidora de sua
responsabilidade.
De fato, no inciso I do artigo 21, estabelece, de forma objetiva, que a
penalidade para violação de Padrão do Indicador de Continuidade Individual é a
compensação ao consumidor de valor a ser creditado na fatura de energia
elétrica no mês subsequente à apuração, indicando formula de cálculo.
Ainda conforme o disposto na Resolução 24/2000, em redação introduzida
pela Resolução 177/2005, o fim da aplicação de penalidade por transgressão dos
limites de continuidade coletivos estava estabelecida desde de 2005.
Na audiência pública que precedeu a aprovação da Resolução 177/2005 a Associação
Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica - ABRADEE pleiteou o término
da aplicação da multa por descumprimento dos limites de DEC e FEC para dezembro
de 2004 sob a justificativa que as empresas já eram sujeitas ao
pagamento de compensação por transgressão dos indicadores individuais revertida
em benefício do consumidor.
A Aneel decidiu então pela vigência dos indicadores coletivos até 2008,
sob o argumento de necessidade de mais tempo para maturidade na apuração e
compensação relativas aos indicadores individuais [6].
A disposição foi posteriormente alterada pela Resolução 345/2008, que aprovou o
PRODIST, a qual prorrogou a existência das multas por descumprimento dos
limites dos índice de continuidade coletivos até dezembro de 2009.
Paradoxalmente, na audiência pública 033/2009, transcorridos cinco anos do
debate inicial, as concessionárias tentaram adiar mais uma vez a aplicação do
mecanismo por mais um ano, estendendo o prazo até dezembro de 2010.
De acordo com a Lei 10.438/02, os recursos provenientes das multas
aplicadas pela Aneel vão para CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) [7].
Entretanto, verifica-se, nos últimos anos a prática de estabelecimento de TAC
(Termos de Ajustamento de Conduta) como alternativa à aplicação de multas por
descumprimento de metas de DEC e FEC, conforme previsto na Resolução 63/2004.
Esses TAC estabelecem que as distribuidoras devem investir o valor das
penalidades em obras que contribuam para a redução do número de interrupções.
E o que muda mesmo?
A ideia de uma compensação pela interrupção dos serviços na forma de
desconto na fatura é atraente para o consumidor, que paga caro e não tem o
serviço de qualidade. Em verdade, a inovação introduzida pelo Módulo 8 exclui a
aplicação da penalidade por transgressão dos limites dos indicadores de
continuidade coletivos, passando a adotar exclusivamente os individuais,
pois o que o PRODIST estabelece é o término da multa por transgressão dos
indicadores coletivos, mantendo a previsão da compensação por descumprimento
dos limites individuais.
Parece ter passado desapercebido dos consumidores que a mencionada
compensação a ser paga pelas distribuidoras será devida ao consumidor somente
nos casos de violação do limite do indicador de continuidade, ou seja, quando
houver interrupção do fornecimento acima do limite estabelecido!Por
conseguinte, a agência reguladora considera aceitável a
descontinuidade do serviço dentro de um certo limite. Para a construção dos
indicadores são consideradas as interrupções de longa duração, entendidas como
aquelas com tempo igual ou superior a três minutos.
Ou seja, caso o dispositivo previsto na resolução seja efetivado, o
consumidor poderá ser compensado por uma parte do tempo que ficou sem
fornecimento, aquela que ultrapassar o limite permitido pela Aneel. Por outro
lado, com a extinção da multa por descumprimento dos indicadores coletivos,
serão menos recursos disponíveis para a aplicação no desenvolvimento da
universalização do serviço público de energia e promoção de fontes
alternativas.
Os indicadores individuais são construídos com base nos indicadores
coletivos que servem para monitorar o desempenho das distribuidoras e que são
revistos na Revisão Tarifária Periódica de cada distribuidora, o que ocorre em
média a cada quatro anos.
Esses limites, que passaram a valer para todas as distribuidoras [8],
devem figurar na fatura de consumo de todas as unidades consumidoras e são
definidos em resolução específica da ANEEL. Na ausência de indicação dos
limites na fatura, ou se o consumidor quiser checar, terá de consultar
a nova versão do Módulo 8 do PRODIST, com os valores de referência dos
indicadores individuais e a resolução que determina os indicadores coletivos de
sua distribuidora para ver a correspondência entre os índices individuais e
coletivos [9].
Outro ponto para o qual o consumidor deverá ficar atento é que o tempo
apurado para a interrupção na sua unidade começa a contar a partir da
identificação da interrupção pela distribuidora - por meio da ligação do
consumidor para o sistema de atendimento às reclamações dos consumidores ou
pelo sistema de sensoriamento automático da rede.
Para calcular o montante da compensação é necessário calcular a parcela
da conta que corresponde ao custo de distribuição. Esse valor deverá ser
dividido pelo total de horas no mês e depois multiplicado por 15 (índice de
majoração para o consumidor residencial). O resultado representará a
compensação que o consumidor vai receber por cada hora que ficou sem energia
acima dos limites fixados no DIC e FIC.
Se o consumidor discordar das informações relativas à continuidade da
prestação do serviço indicadas na conta, deve fazer a reclamação diretamente à
concessionária. Caso a empresa não dê uma resposta satisfatória ou não
apurar o possível erro, o consumidor deve entrar em contato com a ANEEL ou
agência reguladora estadual conveniada.
O objetivo da compensação, segundo a agência, é estimular a
distribuidora a melhorar seus serviços, não podendo a compensação financeira ao
consumidor confundir-se com um ressarcimento pelo custo da falta de energia.
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[1]
O relatório da CPI das Tarifas e Energia Elétrica qualifica o modelo brasileiro
de formação de tarifas de "caixa-preta" e questiona as suas
contradições como o fato de que as tarifas mais baixas são cobradas em
áreas mais ricas, enquanto que nas regiões mais pobres praticam-se as tarifas
mais altas do serviço. A tarifa residencial brasileira é maior que a do
americano e do indiano. A tarifa para industria no Brasil é mais cara do
que na Suíça, na Espanha, nos EUA ou na França, países cujas matrizes
energéticas são as usinas termoelétricas a combustíveis fósseis e usinas
nucleares, com custo de operação maior que o modelo brasileiro majoritariamente
dependente de hidrelétricas.
[2]
Documento disponível no site da ANEEL -
http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/DIC%20FIC%20DMIC.pdf
[3] DIC
- Duração de Interrupção Contínua por Unidade Consumidora ou por Ponto de
Conexão - Intervalo de tempo em que, no período de observação, em uma
unidade consumidora ou ponto de conexão, ocorreu descontinuidade na
distribuição da energia elétrica.
[4]
FIC - Frequência de Interrupção Individual por Unidade Consumidora ou por Ponto
de Conexão - Número de interrupções ocorridas, no período da observação , em
cada unidade consumidora ou ponto de conexão.
[5]
DMIC - Duração Máxima de Interrupção Contínua por Unidade Consumidora ou por
Ponto de Conexão - Tempo máximo de interrupção contínua da energia elétrica em
uma unidade consumidora ou ponto de conexão.
[6]
Voto do Diretor José Guilherme Silva Menezes Senna - Relator do Processo
48500.002137/2009-31
[7]
Conta de Desenvolvimento Energético: é uma conta cuja arrecadação é
usada para promover a competitividade da energia elétrica produzida por usinas
que utilizam fontes alternativas: eólicas, pequenas centrais hidrelétricas,
biomassa, carvão mineral nacional, etc. De acordo com a Lei nº 10762/03, os
recursos provenientes das multas impostas aos agentes do Setor serão aplicados,
exclusivamente, no desenvolvimento da universalização do serviço público de
energia elétrica, enquanto requerido, na forma da regulamentação da ANEEL.
[8]
Até para as distribuidoras que possuíam resoluções específicas com limites de
DIC, FIC e DMIC diferentes daqueles presentes na Resolução 024/2000.
[9]
Onde o consumidor pode consultar os indicadores individuais? Passagem
do documento disponível no site da Aneel.
Data de acesso:17/03/2013