PALAVRA-CHAVE:DIREITO ADMINISTRATIVO, ATO ADMINISTRATIVO,PROCESSO ADMINISTRATIVO,LEI DE PROCESSO ADMINISTRATIVO,REGIME JURÍDICO DE DIREITO PÚBLICO,LEI DE PROCESSO ADMINISTRATIVO,INCOMPETÊNCIA DO SERVIDOR PÚBLICO, Lei de Ação
Popular Lei nº 4.717/1965,artigo 2º,define os vícios dos atos
administrativos,ATO DE IMPROBIDADE,VICIO DE DESVIO DE FINALIDADE,NULIDADES DO ATO ADMINISTRATIVO,CONVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS,DESVIO DE PODER,SÚMULA N 473 DO TST.
SEMINÁRIO
I Seminário
de Direito Administrativo - TCMSP
“Processo Administrativo”
De 29 de setembro a 3 de outubro de 2003
|
30/09 –PRESSUPOSTOS DO ATO ADMINISTRATIVO –
VÍCIOS, ANULAÇÃO, REVOGAÇÃO E CONVALIDAÇÃO EM FACE DAS LEIS DE PROCESSO
ADMINISTRATIVO
|
Dra. Maria Silvia Zanella Di Pietro (Mestre e
Doutora em Direito Administrativo pela USP)
|
Eu começaria agradecendo, especialmente, ao Dr.
Antonio Carlos Caruso, pela honra do convite, para vir falar nesse I Seminário
de Direito Administrativo do Tribunal de Contas do Município. Fico honrada com
a presença dos Senhores Conselheiros e especialmente grata pelas palavras
generosas com que eu fui apresentada. Só para ouvir essas palavras, já valeu a
pena a minha vinda até o Tribunal.
O meu tema é Pressupostos do Ato Administrativo – Vício, Anulação, Revogação e
Convalidação em face das Leis de Processo Administrativo. Foi dito na
apresentação que eu participei do grupo que elaborou o Projeto da Lei Federal
que dispõe sobre processo administrativo e, realmente, eu participei, embora,
de certa forma, fosse contra a elaboração de uma Lei de Processo
Administrativo, porque, na realidade, eu acho que a lei, nessa parte
processual, praticamente absorve muita coisa ou quase tudo que já estava na
doutrina, com exceção de algumas coisas mais específicas, como as referentes a
prazo; quer dizer, tudo o que consta da lei já se fazia na prática. No entanto,
fiquei bastante aliviada com a presença do Professor Caio Tácito, que presidiu
o grupo. Ele optou por fazer uma norma de caráter bem geral, sem descer a
muitos detalhes, exatamente para evitar o excesso de formalismo dentro da
Administração Pública.
À medida que for explanando, eu vou mencionando a maneira como a matéria está
disciplinada na Lei Federal e na Lei Estadual. A Lei Estadual já é um pouco
mais detalhada do que a Federal, embora seja uma lei boa também.
Aliás, aqui no Direito Brasileiro, eu diria que todo nosso Direito
Administrativo começou antes na doutrina e depois passou para o direito
positivo, porque nós construímos o nosso Direito Administrativo a partir do
Direito Francês, que é de formação jurisprudencial. Mas, nós copiamos os
princípios, copiamos as teorias, copiamos a doutrina e aos poucos fomos pondo
no direito positivo, hoje nós temos quase tudo no direito positivo.
Se formos pensar, por exemplo, na matéria de Contrato, antes do Decreto-Lei
2.300 não havia, na esfera federal, uma lei tão ampla estabelecendo normas
sobre a matéria. No entanto, tudo aquilo que foi posto no Decreto -Lei 2.300, e
que hoje está na Lei 8.666, já se encontrava nos livros de doutrina. Todas
aquelas cláusulas exorbitantes, a matéria das teorias do fato do príncipe, da
imprevisão, tudo isto já era doutrina. A lei apenas absorveu aquilo que era
doutrina e transformou em direito positivo.
É muito semelhante o que está acontecendo em relação ao ato administrativo.
Quer dizer, aquilo que está na lei é, em grande parte, aquilo que era já
anteriormente aplicado.
Eu vou começar falando alguma coisa a respeito do próprio conceito de ato
administrativo, porque não existe um critério muito uniforme para definir o ato
administrativo. Dependendo do ponto de vista que se adote, nós podemos definir
o ato administrativo como todos os atos praticados pela Administração Pública;
ou, adotando um conceito mais restrito, nós vamos excluir do conceito uma série
de atos que a Administração pratica.
Eu opto por um conceito restrito e, por isso, que não têm natureza de ato
administrativo, propriamente dito, os atos de direito privado, praticados pela
Administração Pública, porque eles não estão sujeitos ao regime jurídico
tipicamente administrativo. Eles se submetem ao direito privado e apenas
parcialmente ao direito público.
Também não considero como atos administrativos, os atos de conhecimento, atos
que são meramente enunciativos, como os atestados, as certidões, os votos,
porque são atos que, sozinhos, não produzem efeito jurídico. Eu acho que a
produção de efeito jurídico é essencial para o conceito de ato administrativo,
assim como acontece no direito privado.
Excluo, também, os atos políticos do conceito de ato administrativo, pelo fato
de que os atos políticos estão submetidos a um regime constitucional.
Excluo os contratos do conceito de ato administrativo e isto é bem diferente do
que acontece no direito privado, porque no direito privado nós vemos que os
atos, hoje chamados de negócios jurídicos, são unilaterais ou bilaterais; o
contrato seria modalidade de ato jurídico. No âmbito do direito administrativo,
falar em ato administrativo é falar em ato unilateral, porque o ato
administrativo tem alguns atributos que não aparecem no contrato, especialmente
os atributos da imperatividade e da auto executoriedade, que não existem no
contrato administrativo. Não podemos dizer que o contrato seja modalidade de
ato se ele tem características diferentes.
Excluo, também, do conceito de ato administrativo, os atos normativos da
Administração Pública, como os regulamentos, as resoluções, as portarias, Eu
diria que o ato administrativo é hierarquicamente subordinado aos atos
normativos, mas, ele tem um regime jurídico próprio. Por exemplo, quanto à
impugnação, nós não podemos recorrer de um ato normativo como podemos recorrer
de um ato administrativo. Não podemos ir a juízo para impugnar um ato
normativo, a não ser por via de ADIN. Os atos administrativos podem ser
impugnados individualmente, por qualquer cidadão.
Num conceito assim bem restrito, eu diria que o ato administrativo é uma
declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos
imediatos, sob regime jurídico de direito público, sujeita à lei e ao controle
pelo Poder Judiciário.
Note-se que eu não conceituo como ato da Administração e sim como ato do
Estado, porque os três Poderes podem praticar atos administrativos, dentro da
idéia de que cada qual exerce predominantemente uma função, mas exerce
acessoriamente as funções dos demais. Nós temos que reconhecer que todos os
Poderes, praticam atos administrativos; daí eu falar que o ato administrativo é
uma declaração do Estado ou de quem o represente, porque qualquer particular
que esteja agindo no exercício de uma função administrativo, a qualquer título,
pratica atos administrativos. Nós podemos pensar no pessoal dos cartórios
extrajudiciais que praticam atos tipicamente administrativos dotados da mesma
fé pública que têm os atos da Administração.
Continuando o conceito, o ato administrativo produz efeitos jurídicos
imediatos. A produção de efeitos jurídicos constitui característica essencial
ao ato administrativo, considerado em sentido restrito. Produzir efeitos
jurídicos significa criar, extinguir, transformar direitos. E imediatos, porque
os efeitos se produzem no caso concreto. Com essa afirmação, ficam afastados do
conceito de ato administrativo os atos normativos, porque produzem efeitos
gerais e abstratos.
Quando digo que o ato administrativo se submete a regime jurídico de direito
público, eu afasto os atos de direito privado da Administração. Quando digo que
ato administrativo está sujeito a controle pelo Poder Judiciário, estou
distinguindo da sentença judicial, que também produz efeitos jurídicos no caso
concreto e também se sujeita à lei.
Com relação aos pressupostos do ato administrativo, eu começaria fazendo uma
observação sobre a própria palavra pressuposto. Alguns autores preferem falar
em elementos do ato administrativo, outros falam em requisitos. O Professor
Celso Antônio Bandeira de Mello é que gosta de falar em pressupostos, em um
tratamento todo diferenciado dado à matéria. Eu falo em elementos e em
requisitos. Elementos seriam as condições de existência do ato; no direito
privado, são elementos o sujeito, o objeto e a forma. Requisitos são as
condições de validade. Desse modo, quando falamos em agente capaz, objeto
lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, estamos falando nos requisitos
de validade.
Na realidade, a terminologia – elemento, requisito ou pressuposto – é meio
irrelevante, porque o que importa é analisar cada um desses elementos e
requisitos de validade. Eu opto por essa terminologia, porque ela está
consagrada no direito positivo brasileiro, em especialmente na Lei de Ação
Popular – Lei nº 4.717/1965. No artigo 2º, ela define os vícios dos atos
administrativos e fala nos cinco elementos do ato: competência, objeto, forma,
motivo e finalidade. Nos parágrafos do mesmo dispositivo, a lei define os vícios
de cada um dos elementos.
Portanto, essa é a terminologia que adoto, com uma
ressalva quanto à indicação da competência entre os elementos; na realidade, a
competência é um atributo ou um requisito de validade do sujeito. Por isso, eu
prefiro falar em sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade como elementos do
ato administrativo.
Eu queria chamar a atenção para o fato de que, no direito privado, fala-se
apenas em três elementos: sujeito, objeto e forma, enquanto no direito
administrativo existem dois elementos a mais, que são o motivo e a finalidade.
Esses dois elementos passaram a ser vistos como elementos do ato administrativo
exatamente para permitir a ampliação do controle do Poder Judiciário sobre os
atos da Administração Pública. Inicialmente, só se admitia o controle judicial
sobre o sujeito, o objeto e a forma. Não se admitia, por exemplo, que o
Judiciário examinasse os fatos, para verificar se existiram ou não, se eles têm
ou não têm fundamento legal, porque se entendia que a apreciação dos fatos é
matéria de apreciação discricionária da Administração Pública. Para ampliar o
controle, elaborou-se a teoria dos motivos determinantes e se passou a aceitar
que o Judiciário possa examinar o motivo. Daí a razão pela qual o motivo hoje é
considerado um elemento do ato administrativo.
A mesma coisa aconteceu com relação à finalidade. Inicialmente se entendia que
a finalidade, a intenção com que o ato é praticado, é alguma coisa que diz
respeito à moral e, portanto, ficava fora do controle judicial. Com a teoria do
desvio de poder, passou-se a admitir ao Judiciário examinar a finalidade do
ato, que passou a ser considerada elemento do ato administrativo.
Examinando, separadamente, cada um dos elementos, pode-se afirmar, em primeiro
lugar, que, com relação ao sujeito, são diferentes os requisitos de validade do
ato administrativo, quando comparado com os atos de direito privado. Com
efeito, no direito privado, o requisito de validade é a capacidade do agente.
No direito administrativo, exige-se capacidade também, mas principalmente se
exige competência, entendida como uma atribuição outorgada por lei. A
competência tem que ser analisada em relação a três aspectos: em primeiro
lugar, em relação à pessoa jurídica, para definir se a competência é da União,
dos Estados ou dos Municípios; a distribuição de competência, no caso, consta
da Constituição Federal. Em segundo lugar, a competência tem que ser analisada
em relação aos órgãos administrativos; dentro de cada pessoa jurídica, a
Administração Pública é organizada, estruturada, por meio de lei, com a
distribuição de competências entre os vários órgãos que compõem a estrutura
administrativa. Finalmente, a competência tem que ser vista em relação ao
agente público a que a lei confere a atribuição.
Toda a competência decorre de lei. Porém, às vezes, ocorre uma omissão
legislativa. Havia uma grande dificuldade, quando eu trabalha na Procuradoria
do Estado, quando surgia essa pergunta: quem é competente para praticar
determinado ato quando a lei é omissa? Eu adotava o entendimento de que, na
omissão da lei, o competente é o Chefe do Executivo, porque ele congrega todas
as competências da Administração Pública. Tudo aquilo que não foi outorgado a
nenhum órgão é da competência do Chefe do Poder Executivo.
Na lei federal de processo administrativo, foi adotada outra norma, no artigo
17: inexistindo competência legal específica, o processo administrativo deverá
ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir. Como
a norma consta da lei federal, só aplicável à União, continuo a entender que
nos Estados e Municípios, continua a aplicar-se o entendimento de que, na
omissão da lei, a competência é do Chefe do Poder Executivo.
A competência tem alguns requisitos. Em primeiro lugar, ela decorre da lei.
Quando se fala em lei, nesse caso, tem-se em vista lei como ato legislativo;
não há possibilidade da competência ser definida por via de decretos,
portarias, resoluções, a não ser que se trate de uma distribuição interna de
competências, que produz efeitos apenas internamente.
Além de prevista em lei, a competência é irrenunciável ou é inderrogável pela
vontade da Administração ou de terceiros. Isto porque a competência é dada à
autoridade pública para ser exercida no interesse público e não no interesse da
própria autoridade. Ela não pode deixar de exercer uma competência, porque
todos os poderes da Administração são irrenunciáveis. A Administração não pode
deixar de punir se verificou uma infração, não pode deixar de apurar um fato se
teve denúncia de irregularidade, não pode deixar de exercer o poder de polícia,
porque são poderes outorgados em benefício do interesse público. A omissão no
exercício do poder, hoje, caracteriza ato de improbidade, quando não
caracteriza crime contra a administração.
Outra característica da competência é que ela é delegável, a não ser que se
trate de competência outorgada com exclusividade para determinado órgão ou
autoridade. Por exemplo, a Constituição Federal, no artigo 84, prevê as
competências privativas do Presidente da República e, no parágrafo único, diz
quais as competências que podem ser delegadas. São apenas quatro; todas as
demais são indelegáveis.
Na esfera federal, a Lei de Processo Administrativo contém uma norma no artigo
11, segundo a qual a competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos
administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e
avocação, legalmente admitidos. Depois, no artigo 12, diz que um órgão
administrativo e seu titular poderão, se nãop houver impedimento legal, delegar
parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que esses não lhe
sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de
circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica e territorial.
Parece estranha essa possibilidade de delegar competência a uma autoridade que
não esteja hierarquicamente subordinada àquela que faz a delegação. Isto
contraria o próprio conceito de hierarquia da Administração Pública, mas está
previsto na lei. A lei estadual não previu essa possibilidade e cuida da
matéria no artigo 19, permitindo a delegação, salvo proibição legal e, no
artigo 20, diz quais são as hipóteses em que a delegação não pode ser feita.
Por exemplo, não pode ser delegada competência normativa, não pode ser delegada
competência política.
A possibilidade de avocação também é uma característica da competência. O
artigo 15 da Lei federal restringiu a possibilidade de avocar, só permitindo,
em caráter excepcional e por motivos relevantes, devidamente justificados,
porque a avocação é sempre sentida pelo servidor quase como uma punição. A Lei
estadual limita-se a permitir a avocação e não prevê nenhuma restrição.
Com relação aos vícios relativos ao sujeito, eu diria que um deles é a
incapacidade. Existe um entendimento defendido por parte da doutrina, no
sentido de que, quando o ato é vinculado, a incapacidade ou capacidade do
agente é irrelevante. Uma vez até caiu uma pergunta em um concurso de
Procurador do Estado. A hipótese era a seguinte: um servidor requereu a
aposentadoria compulsória e teve seu pedido deferido; depois se descobriu que a
autoridade que concedeu a aposentadoria era louca, literalmente louca. Daí a
pergunta: o ato é válido? É nulo? É anulável? É convalidável? A resposta
considerada certa era a de que aquele ato era válido, porque se adotou o
entendimento de que, no ato vinculado, como é o caso da aposentadoria
compulsória, a capacidade do agente é irrelevante, porque a aposentadoria teria
que ser concedida obrigatoriamente.
Eu já acho que, mesmo para os atos vinculados, a capacidade é relevante;
naquele caso específico houve coincidentemente o deferimento do pedido. E se o
pedido tivesse sido indeferido? Entendo que a decisão tinha obrigatoriamente
que ser revista por uma autoridade capaz, para verificar se o ato está ou de
acordo com a lei. Não é porque se trata de ato vinculado que o louco vai
caminhar para a solução correta. No caso, eu consideraria esse ato anulável e
convalidável.
O outro vício relativo ao sujeito é a incompetência, que é o vício mais comum,
que ocorre quando a autoridade pratica o ato sem ter competência legal para
praticá-lo. Dentro dessa modalidade, existem várias possibilidades. Além dessa
simples incompetência, existe a hipótese de usurpação de função, que é um crime
previsto no artigo 328 do Código Penal. Nesse caso, o ato é praticado por que
não tem a condição de servidor público de nenhuma espécie. Ele simplesmente se
apossou do exercício de um cargo público e praticou um ato qualquer. Esse ato é
ilegal ou, segundo alguns, é inexistente.
Outro vício, ainda relativo à competência, seria o excesso de poder, que ocorre
quando a autoridade vai além daquilo que ela teria competência para praticar.
Por exemplo, ela só pode aplicar a pena até de suspensão, mas aplica a pena de
demissão. Outro exemplo é o do policial que se excede no uso da força. Ele tem
competência para atuar, mas se excede no uso dos meios que a lei lhe dá para
atingir os fins de interesse público. No caso de excesso de poder, existem
algumas hipóteses que são previstas como crime de abuso de autoridade na Lei
4.898, de 1965.
Outra irregularidade, ainda com relação ao sujeito, é o chamado exercício de
fato da função pública. O exercício de fato (que permite falar em funcionário
de fato, em oposição ao funcionário de direito) seria a prática do ato por
pessoa que está investida em cargo, função ou emprego público, mas existe uma
irregularidade na sua investidura. Por exemplo, o servidor precisava ter nível
superior e não tem; ou foi nomeado para cargo inexistente; ou continua a
trabalhar após completar 70 anos de idade. Em todos esses casos, existiu o ato
de investidura, porém de alguma forma a situação contraria a lei.
A grande peculiaridade desse vício é que ele não acarreta necessariamente a
invalidação do ato. Embora praticado por uma pessoa que não está regularmente
investida, o ato é considerado válido, em respeito à boa-fé do terceiro
beneficiário do ato. Apenas no caso de má-fé do terceiro é que o ato vai ser
invalidade.
A Lei federal previu ainda dois vícios de incapacidade que seriam o impedimento
e a suspeição, que não estão previstos na lei estadual, mas ainda assim podem
ser aplicados, até por analogia com o direito judiciário. Quando uma pessoa,
que seja impedida ou que seja suspeita, pratica um ato, na realidade, há uma
certa infringência ao princípio da moralidade e ao princípio da impessoalidade.
O impedimento traz uma presunção absoluta, que não admite prova em contrário,
tanto que, se a pessoa impedida praticar o ato, diz a lei que ele pratica falta
grave, para efeitos disciplinares. Seria o caso da pessoa que tem interesse
direto ou indireto na matéria, que tenha participado ou venha a participar como
perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao
cônjuge, companheiro ou parentes afins até o terceiro grau e, ainda, quando ele
esteja litigando, judicial ou administrativamente, com o interessado ou
respectivo cônjuge ou companheiro. Tais situações caracterizam impedimento
absoluto.
Já a suspeição encerra uma presunção apenas
relativa, porque, se ninguém invocá-la, o ato fica válido. É o que acontece
quando a pessoa tem amizade íntima ou inimizade notória com algum dos
interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até
o terceiro grau.
Quer dizer que a solução que a Lei federal adotou, por analogia ao próprio
Código de Processo Civil, tem normas muito semelhantes às deste. O fato de não
haver na Lei estadual ou municipal uma norma prevendo impedimento ou suspeição
não impede que isto seja aplicado, como já se aplicava anteriormente. Como é
que se poderia admitir, por exemplo, que numa banca de concurso pública
participasse uma pessoa que é irmão, parente ou cônjuge de um candidato? Isto
fere o princípio da moralidade administrativa.
O segundo elemento do ato administrativo é o objeto. O objeto é o efeito
jurídico que o ato produz. O que o ato faz? Ele cria um direito? Ele extingue
um direito? Ele transforma? Quer dizer, o objeto vem descrito na norma, ele
corresponde ao próprio enunciado do ato. Quando se diz: fica aplicada a pena de
demissão ao servidor público, esse é o objeto do ato. Ele está atingindo a
relação jurídica do servidor com a Administração Pública. O objeto decorre da
própria lei.
Requisitos de validade do objeto: ele tem que ser lícito, possível de fato e de
direito, certo quanto aos destinatários, moral, ou seja, tem que ser honesto,
tem que estar de acordo com o senso comum, com os padrões comuns de
honestidade.
O vício. Quando o objeto é ilegal? Pela lei de ação popular, a ilegalidade do
objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento
ou ato normativo. Na realidade, ela está considerando apenas uma hipótese de
ilegalidade do objeto, em que ele contraria uma norma legal, mas existem outras
hipóteses de objeto inválido. Uma delas é a do objeto imoral; outra é a do
objeto impossível, como a nomeação de uma pessoa para um cargo que não existe;
também é o caso do objeto indeterminado quanto aos destinatários.
No que diz respeito à forma, costumo dizer que ela pode ser entendida em dois
sentidos: podemos considerar a forma em relação ao ato, isoladamente, e, nesse
caso, ela pode ser definida como a maneira como o ato se exterioriza; ele pode
ter a forma escrita, verbal, ter a forma de decreto, de resolução, de portaria;
o ato é considerado isoladamente. Em outro sentido, a forma pode ser entendida
como formalidade que cerca a prática do ato: aquilo que vem antes, aquilo que
vem depois, a publicação, a motivação, o direito de defesa; abrange as formalidades
essenciais à validade do ato. Seja no caso de desobediência à forma, seja no
caso de faltar uma formalidade, o ato vai poder ser invalidade.
No artigo 2º da lei de ação popular, está estabelecido que o vício de forma
consiste na omissão ou na observância, incompleta ou irregular, de formalidades
indispensáveis à existência ou seriedade do ato.
Normalmente se diz que a Administração Pública está sujeita a excesso de
formas, mas na Lei federal de processo administrativo o princípio que se adotou
como regra foi o do informalismo. Como regra geral, os atos do processo
administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei
expressamente a exigi; quer dizer que, se a lei não exigir nada, a forma é
livre.
No artigo 2º da lei, onde estão mencionados os princípios, há algumas
orientações importantes também relativas à forma. Por exemplo, os incisos VIII,
IX e X. O inciso VIII determina a observância apenas das formalidades
essenciais à garantia dos direitos dos administrados. Por outras palavras, o
formalismo somente se justifica na medida em que seja essencial à garantia dos
administrados; devem ser evitadas as formas inúteis, que não servem para nada.
O inciso IX estabelece como norma a adoção de formas simples, suficientes para
propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos
administrados. E o inciso X garante os direitos à comunicação, à apresentação
de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos
processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio.
Na realidade, a forma e a formalidade, no direito administrativo, são
importantes como meios de controle da Administração Pública, porque se o ato
não ficar documentado,, se ele não tiver uma forma escrita, se ele não observar
determinadas formalidades, fica difícil o controle, tanto pelo Judiciário como
pelo Tribunal de Contas ou pela própria Administração Pública. Como é que ela
vai controlar aquilo que não seja documentado? E a forma também é importante
para proteção dos administrados, dos direitos individuais, na medida em que a
forma é que vai permitir o controle. Porém, não se deve exagerar no formalismo.
Com relação ao motivo, eu sempre o relaciono com o fato; motivo é o fato.
Costuma-se definir o motivo como o pressuposto de fato e de direito do ato
administrativo. O motivo precede à prática do ato, ele é alguma coisa que
acontece antes da prática do ato e que vai levar à administração a praticar o
ato. Por exemplo, o funcionário pratica uma infração, a infração é o fato. O
ato é a punição e o motivo é a infração; ele tem um fundamento legal, embora
nem sempre a lei defina o motivo com muita precisão; normalmente quando nós
falamos com base no artigo tal, nós estamos mencionando o motivo, o pressuposto
de direito, porque aquele fato vem descrito ou vem previsto na norma; na hora
em que aquele fato descrito na norma acontece no mundo real, surge um motivo
para a administração praticar o ato.
Por exemplo, a lei diz: o funcionário que faltar 30 dias consecutivos incide em
abandono de cargo. A falta por 30 dias é a infração, que levara a Administração
a instaurar o processo e aplicar a pena.
Cabe ressaltar que o motivo não é a mesma coisa que a motivação. A motivação,
embora tenha muita relação com o motivo, é uma formalidade essencial ao ato,
ela não é o próprio motivo. Na motivação, a Administração Pública vai indicar
as razões, quais foram os fatos, qual é o fundamento de direito, qual o
resultado almejado; ela vai dar a justificativa do ato; ela pode até na
motivação indicar qual foi o motivo, qual foi o fato que a levou a praticar
aquele ato, mas não é a mesma coisa.
Quando dizemos que o ato é ilegal com relação ao motivo? Quando o fato não
existiu ou quando existiu de maneira diferente do que a autoridade está
dizendo. Quando ela diz que está mandando embora o funcionário porque não tem
verba para pagar, o motivo é inexistência de verba, mas se existir verba,
aquele motivo é falso, ela alegou um fato inexistente. Ou um funcionário
pratica uma infração e a autoridade o pune por outra infração, diferente
daquela que justificaria uma outra punição, então o motivo é ilegal.
Pela Lei de Ação Popular, o vício relativo ao motivo ocorre quando a matéria,
de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente
ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. Vejam vocês que essa Lei é de
1965 e já no conceito referido está embutido o princípio da razoabilidade,
quando ela fala que é ilegal o motivo, se for materialmente inexistente ou
juridicamente inadequado ao resultado obtido. Ele está praticando que exigindo
uma relação entre meios e fins; sem usar a expressão razoabilidade, o
dispositivo já consagrou o princípio.
A finalidade. A finalidade é o resultado do ato administrativo, só que,
enquanto o objeto é o efeito jurídico imediato, a finalidade é o resultado
mediato que se quer alcançar. Quer-se alcançar a disciplina, quer-se alcançar a
boa ordem, quer-se alcançar uma série de coisas, fundamentalmente, quer-se
alcançar o interesse público. Mas a palavra finalidade também é vista em dois
sentidos. Por exemplo, no livro do Helly Lopes Meirelles, é dito que a
finalidade de todo ato administrativo é o interesse público; nesse caso, a
finalidade é considerada em sentido amplo; qualquer ato que seja contrário ao interesse
público é ilegal.
Por exemplo, uma desapropriação que seja feita, não porque a administração
necessita daquele bem, mas porque está querendo prejudicar, aborrecer um
inimigo político, não está sendo feita para atender o interesse público.
Mas existe um outro sentido para a palavra finalidade que é o resultado
específico que cada ato deve produzir em decorrência da lei. Para cada
finalidade que a Administração quer alcançar, existe um ato adequado para
atingi-la. Se a Administração quer expulsar dos quadros do funcionalismo um
funcionário que praticou uma falta muito grave, a única medida, o único ato
possível é a demissão. Ela não pode usar, com essa finalidade punitiva, um ato
que não tem finalidade punitiva , ela não pode exonerar, por exemplo, ainda que
seja um funcionário em comissão, que praticou uma infração; se ela está
exonerando com a intenção de punir, o ato é ilegal, quanto à finalidade, porque
a exoneração não tem caráter punitivo; isto caracteriza um vício de finalidade,
conhecido como desvio de poder.
Um exemplo muito comum: remover o funcionário “ex-officio”, a título de
punição; isto é muito comum, o funcionário é mandado para o outro lado do fim
do mundo, a título de punição. Então, ao invés de se instaurar um processo e
aplicar a penalidade adequada, usa-se a remoção, com caráter punitivo, quando
ela não tem uma finalidade punitiva; isso é um vício relativo à finalidade.
Esse vício é chamado desvio de poder ou desvio de
finalidade e está definido na lei de ação popular; ocorre quando o agente
pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou
implicitamente, na regra de competência.
Vocês sabem que hoje o desvio de poder é um ato de improbidade administrativa.
O artigo 12 da lei de improbidade, quando fala dos atos que atentam contra os
princípios da administração, sem usar a palavra desvio de poder, dá um conceito
que equivale ao de desvio de poder. Uma autoridade que pratica um ato com uma
finalidade diversa, está praticando um ato de improbidade administrativa.
Todos sabem que a grande dificuldade do desvio de
poder é a prova, pois é evidente que a autoridade que pratica um ato com desvio
de poder, procura simular, procura mascarar; ela pode até fazer uma
justificação dizendo que está praticando o ato porque quer beneficiar tal
interesse público, está removendo funcionário para atender à necessidade do
serviço; ela não vai dizer que é por uma razão ilegal. Então, o desvio de poder
é uma simulação, porque mascara a real intenção da autoridade.
Existem casos de desvio de poder confessos, mas são meio raros. Eu sempre conto
a esse propósito o caso de um Governador, que, perguntado porque construiu um
teatro tão grande e tão oneroso numa cidade tão pequena, respondeu: pedido de
sogra não se rejeita. Ele quis construir porque a sogra era daquele município e
sonhava em ter um teatro. Isto é um caso de desvio de poder, em que o seu autor
confessou o ato e sua declaração saiu em todos os jornais; mas é evidente que
isto é uma coisa difícil de acontecer.
Bom, vistos os cinco elementos, vamos falar um pouco sobre as ilegalidades,
quer dizer, as nulidades do ato administrativo.
No Direito Civil, nós temos as nulidades absolutas e as relativas que estão
previstas nos artigos 166 e 171 do Código Civil. Sabemos que no Direito Privado,
quando a nulidade é absoluta, o vício não pode ser sanado e o juiz pode
decretá-la de ofício, não dependendo de provocação do interessado.
E na nulidade relativa, o vício é sanável e o juiz só vai decretá-la se houver
provocação do Ministério Público ou de algum interessado.
No Direito Administrativo, alguns negam a possibilidade de se aplicar a mesma
distinção; e quando eu falo em alguns, eu estou incluindo aquele que foi o papa
do Direito Administrativo durante muito tempo, Helly Lopes Meirelles; ele dizia
em seu livro que não existe no Direito Administrativo aquela distinção; ele
achava que qualquer tipo de ilegalidade no Direito Administrativo caracteriza
uma nulidade absoluta, porque a Administração Pública tem sempre o poder de
anular, de invalidar os próprios atos, nunca dependendo de provocação do
interessado.
Agora não é, evidentemente, o pensamento que prevalece e nem aquele que se
aplica na prática, porque na prática da Administração Pública é muito comum a
convalidação dos atos administrativos. Mas a distinção que fica no Direito
Administrativo é a seguinte: a nulidade é relativa quando o ato pode ser
convalidado e a nulidade é absoluta quando o ato não pode ser convalidado. E é
aí que vem a pergunta: quando ele pode e quando não pode ser convalidado? A
resposta é: depende do vício do ato, ou seja, depende do elemento do ato
administrativo que está eivado de vício.
Eu diria que dois tipos de vícios admitem convalidação: o vício relativo ao
sujeito e o vício relativo à forma, só. Os outros elementos, se estiverem
viciados, geram nulidade absoluta e não permitem a convalidação do ato.
Com relação ao sujeito, se o ato é praticado por uma autoridade incompetente, é
perfeitamente possível que a autoridade competente venha convalidar o ato. Na
Lei Estadual sobre processo administrativo, o artigo 11 diz: a Administração
poderá convalidar seus atos inválidos quando a invalidade decorrer de vício de
competência ou de ordem formal. Está repetindo, está falando aquilo que eu
disse e que já era entendimento de doutrina, desde que, na hipótese de vício de
competência, a convalidação seja feita pela autoridade titulada para a prática
do ato e não se trata de competência indelegável. E na hipótese de vício
formal, este possa ser suprido de modo eficaz.
É evidente que se tratar de competência, a minha idéia é a seguinte: se o vício
de incompetência for relativo à pessoa jurídica, eu acho que ele gera nulidade
absoluta e não admite convalidação. Por exemplo, a competência era da União e o
Município praticou o ato, não há como convalidar.
Agora, se for um vício dentro da mesma pessoa jurídica, como a hipótese em que
a competência era de um órgão e foi outro que praticou o ato, ou se era uma
autoridade e foi a outra que praticou, eu acho que é perfeitamente possível a
convalidação.
No caso relativo á forma, vocês sabem que existem algumas formas essenciais e
algumas formas acessórias. A grande dificuldade é a gente saber quando a forma
é essencial e quando é acessória.
Em alguns casos, é fácil. Por exemplo, se uma formalidade é exigida pela
própria Constituição, é evidente que ela é essencial. Você vai aplicar uma
penalidade sem assegurar o direito de defesa, você está gerando uma nulidade
absoluta, você tem que invalidar o processo pelo menos até o ponto em que seja
necessário assegurar o direito de defesa, você volta e repete todos os atos.
Na licitação, que é um procedimento formalista rígido, você pode ter feito a
convocação dos interessados por todos os meios admitidos em direito, pela
internet, fax, telefone, ofício, porém, se você não publicou o edital, que é um
ato essencial, você não tem como convalidar.
Se for uma forma acessória é mais fácil, mas continua aquela ideia, às vezes
ficam dúvidas se é acessória ou não.
A Lei Estadual deu algumas indicações que podem servir de orientação.
Agora, hipóteses em que não cabe convalidação são aquelas em que o vício seja
relativo ao motivo, ao objeto e à finalidade.
No caso do motivo e da finalidade, eu diria que há uma impossibilidade até de
fato, porque a lei não precisa dizer; imaginem que a Administração Pública
praticou um ato e o motivo, quer dizer, o fato não existiu ou o fato foi
diferente daquele que a administração declarou; como é que você vai corrigir o
fato? É impossível corrigir o fato.
A administração aplicou uma pena porque diz que o servidor praticou uma
infração, mas ele não praticou a infração; como é que você vai corrigir? É uma
nulidade absoluta.
É a mesma coisa com relação à finalidade. Se a autoridade praticou o ato com
uma finalidade que não era aquela própria do ato, você também não tem como
corrigir o desvio de poder, que é alguma coisa que está na intenção da pesso;
não há como corrigir a intenção.
Vejam que o desvio de poder, eu acho que já falei no começo, era
originariamente um vício de moralidade, por isso ele escapava ao controle do
Poder Judiciário, justamente porque ele diz respeito à intenção da pessoa. Ele
passou a ser considerado um vício de ilegalidade para permitir o controle pelo
Poder Judiciário, mas nem por isso se admite a convalidação.
E com relação ao objeto, o que é possível é a figura da conversão que é muito
pouco aplicada na Administração Pública, porque no caso da conversão, aquele
mesmo ato que seria ilegal para um determinado fim, pode ser legal de uma outra
forma. Por exemplo, a concessão de uso de bem público exige autorização
legislativa e a permissão de uso não exige.
A administração fez uma concessão de uso sem autorização legislativa. Aquele
ato, como permissão precária, seria válido, porém, como concessão, é inválido.
Então, o que a Administração Pública pode fazer é converter a concessão numa
permissão, porque como permissão vai ser válida e vai dar efeito retroativo.
A utilidade da convalidação e da conversão é aproveitar os efeitos já
produzidos, porque se você for anular, você vai ter que apagar todos os
efeitos, se você convalidar ou se você converter o ato, você está dizendo que
aqueles efeitos já produzidos são válidos, são legais.
Um outro instituto sobre o qual é importante falar
é o da confirmação.
Na confirmação se mantém o ato nulo, não se corrige a ilegalidade, mas se
mantém conscientemente o ato como ilegal. Seriam hipóteses assim também
excepcionais; eu tenho até medo de falar dessa possibilidade porque pode se
fazer mau uso dela, mas o que a doutrina admite é que um ato ilegal pode ser
mantido em determinadas circunstâncias, quando da invalidação do ato ilegal
possa resultar um prejuízo maior para o interesse público do que da manutenção
do ato.
Normalmente, a confirmação se dá pelo decurso do tempo. Já se passou tanto
tempo que hoje, se fosse invalidado o ato, o prejuízo seria maior.
Por exemplo, a Administração faz a concessão de uso de uma área que não tinha
nada, era um charco, e as pessoas que foram beneficiadas vão lá, fazem uma urbanização,
utilizam, enfim, dão uma utilidade pública àquela área.
Depois vai se descobrir que houve uma irregularidade no ato de concessão. Quer
dizer, se você for anular aquilo, você vai causar um prejuízo maior para o
interesse Público; então, mantém-se o ato.
Normalmente se exige, para a manutenção do ato ilegal, que ele não cause dano
ao Erário, que ele não cause dano a direitos de terceiros porque se ele ferir
direitos de terceiro, esse terceiro vai impugnar o ato.
E exige-se também que a pessoa não tenha agido de má-fé, que o destinatário não
tenha agido de má-fé.
Também sempre conto um caso da jurisprudência, em que um aluno fez vestibular
pela FUVEST, com base numa liminar obtida na Justiça; teve a inscrição dele
indeferida, pediu a liminar e fez o vestibular.
Ganhou na primeira instância, ganhou na segunda instância e continuou fazendo
Faculdade.
Quando chegou na esfera Federal, no Supremo, ele perdeu o mandado de segurança,
quando já tinha terminado a Faculdade. Vai se anular todo o curso que ele fez?
Quer dizer, o prejuízo seria muito maior. O dinheiro que se investiu nele
estaria perdido; a confirmação do ato não estará causando prejuízo a ninguém,
porque ninguém mais poderia competir com ele e não houve má-fé, já que ele foi
beneficiado por uma liminar concedida pela Justiça; nesse caso, o próprio
Judiciário entendeu que o ato deveria ser mantido.
Eu vou falar uma palavrinha sobre anulação e revogação, porque já estamos em
cima da hora.
Acho que é mais fácil anulação e revogação do que a convalidação porque a
anulação é o desfazimento de um ato por vício de ilegalidade.
Ela produz efeitos retroativos à data em que o ato foi praticado. Ela pode ser
feita pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.
A Lei Paulista criou todo um procedimento para fazer a anulação do ato, dos
artigos 57 a 61, falando em requerimento, em audiência do órgão jurídico,
direito de defesa.
É também alguma coisa que, de certa forma, já se praticava, mas hoje está sendo
obrigatório.
Quer dizer, na realidade, como a Administração Pública tem esse poder de anular
“ex-officio” o seu ato, o que se discutia é se havia necessidade de assegurar o
direito de defesa e o próprio Judiciário estava já caminhando no sentido de que
era necessário ouvir o interessado. Agora, a Lei Paulista praticamente
consagrou isso.
Na esfera Federal a Lei não prevê esse procedimento.
E com relação à revogação? Ela se faz por razões de mérito, ou seja, de
oportunidade e conveniência, só podendo ser feita pela própria Administração
Pública; o Judiciário pode revogar os seus próprios atos administrativos, mas
não no exercício da função jurisdicional. Só quem pratica o ato ou o órgão que
esteja agindo na função administrativa pode revogar um ato administrativo.
A revogação não retroage, porque ela atinge o ato válido, o ato legal. Os
efeitos já produzidos têm que ser respeitados.
E ela sofre algumas limitações.
Em primeiro lugar: não podem ser revogados os atos vinculados, porque os atos
vinculados geram direitos subjetivos. Por exemplo, se foi concedida
aposentadoria para um servidor, é porque ele preencheu os requisitos. É um
direito dele, o de se aposentar. A Administração não pode revogar a
aposentadoria. Ela pode anular, se for ilegal, mas não pode revogar.
Não pode revogar os atos que já exauriram os seus efeitos. Quer dizer, a
revogação supõe sempre um ato que ainda esteja produzindo efeitos e o que a
revogação faz, na realidade, não é desfazer o ato original, esse ato é
respeitado. Ela tira do ato a possibilidade de continuar a produzir efeitos. A
pessoa tem uma permissão de uso de um bem público, que é válida, ela vem
utilizando aquele bem. A Administração pode revogar, de tal modo que a partir
daquela data, a permissão deixa de produzir efeitos. Mas se o ato já exauriu
seus efeitos, porque a permissão foi dada por um prazo que já terminou, não vai
mais se cogitar de revogação.
Também não se pode revogar quando a autoridade já exauriu a sua competência,
quer dizer, o ato já saiu da competência dela, já está na mão da autoridade de
nível superior.
Não podem ser revogados os atos enunciativos, porque eles não produzem efeitos.
Você não vai revogar uma certidão, um atestado, uma informação.
Não podem ser revogados os atos que integram um procedimento, pois a cada novo
ato, ocorre a a preclusão com relação ao ato anterior. Por exemplo, você tem as
várias fases da licitação e não vai revogar um ato do procedimento. Quando
praticou o ato subseqüente, o ato anterior já ficou precluso.
Também não podem ser revogados os atos que gerem direitos adquiridos e isto
consta da parte final da Súmula 473 do Supremo.
Esta Súmula reconhece o direito da Administração de anular e revogar os atos,
anular os atos ilegais e revogar os atos inoportunos e inconvenientes,
respeitados os direitos adquiridos.
Esse “respeitados os direitos adquiridos” é evidente que só está se referindo à
revogação, à anulação, não. A Súmula diz, na parte inicial, que a Administração
pode anular os atos ilegais porque eles não geram direitos, mas a revogação tem
que respeitar direitos adquiridos.
Data de acesso: 30/05/2014